Num pronunciamento há um ano, o presidente chinês, Xi Jinping, defendeu o desenvolvimento de culturas geneticamente modificadas como um meio de fortalecer a segurança alimentar em seu país. Mas mesmo ele foi evasivo ao afirmar: “Seja audacioso nas pesquisas, mas cuidadoso na promoção”. Agora, a ala que defende os transgênicos na China conta com o apoio do presidente para a remoção de um obstáculo burocrático que empacou o avanço da tecnologia no maior consumidor de alimentos do mundo.
Após ondas de financiamento estatal, pesquisadores desenvolveram uma série de culturas e aguardam aval para comercializá-las. Mas a aprovação vai demorar a chegar enquanto a opinião pública e o que é mais importante, a burocracia, continuarem agindo contra. “Após aquele pronunciamento, a oposição aberta aos transgênicos diminuiu”, diz o botânico Xu Zhihong, presidente aposentado da Universidade de Pequim. “Ainda há uma certa oposição, mas as discussões ruidosas pela internet diminuíram.”
Na China, a segurança dos alimentos é uma questão sensível. A desconfiança dos produtos produzidos localmente é alta entre a classe média urbana, depois de uma série de escândalos – o mais sério dos quais foi a contaminação de leite em pó para bebês com melamina em 2008. Neste mês, a China adotou medidas para quebrar o bloqueio às importações de novas linhagens de culturas transgênicas, permitindo a entrada no país de um tipo de milho desenvolvido pela Syngenta. A americana Cargill chegou a processar a Syngenta após ter sido forçada, este ano, a redirecionar carregamentos da semente com destino à China que ainda não haviam sido aprovados pelas autoridades do país asiático.
Mesmo assim, o ritmo das aprovações de importação de variedades transgênicas diminuiu. Isso frustra agricultores e tradings dos EUA, Brasil e Argentina, que hesitam em plantar linhagens que não podem vender para o maior comprador de grãos do mundo. “A sociedade chinesa está mudando”, diz Zhu Zhen, cientista do Instituto de Genética e Biologia do Desenvolvimento, uma divisão da Academia Chinesa de Ciências. Ele ficou surpreso com a oposição que encontrou quando desenvolveu uma linhagem modificada de arroz. Mais de dez anos depois, ele ainda aguarda aprovação.
A oposição oficial vem de grupos do setor agrícola, especialmente dos produtores de soja do nordeste do país, das empresas de sementes, preocupadas com a concorrência, dos grupos nacionalistas, que temem a influência das companhias ocidentais de tecnologias agrícolas, e de grupos ambientalistas como o Greenpeace. Han Changbin, ministro da Agricultura, tentou amenizar as preocupações ao dizer, em março, que também consumia alimentos processados com materiais transgênicos”. Em se tratando da China, foi uma admissão de forte impacto.
Han estava se referindo ao óleo de cozinha chinês, produzido em sua maior parte a partir de soja transgênica importada. Seu ministério prosseguiu com medidas para promover os alimentos transgênicos entre a população, que incluíram uma proibição aos fabricantes de alimentos de classificar seus produtos como “livres de transgênicos”. “É preciso entender que a discussão sobre isso não está madura na China e é muito volátil”, diz um jornalista chinês que cobre a área de alimentos geneticamente modificados. “O pronunciamento de Xi Jinping encorajou os cientistas a discutir os transgênicos, pois caso contrário eles ficariam fechados em suas conchas.”
A maior parte do algodão cultivado na China é modificada geneticamente para combater uma lagarta. Mamões e alguns tipos de álamo (madeira usada como quebra-vento nas planícies do norte do país) também são em grande parte transgênicos. As linhagens de plantas transgênicas aprovadas na década de 1980 eram baseadas em técnicas originalmente desenvolvidas nos Estados Unidos, embora sejam consideradas de propriedade intelectual chinesa.
Mesmo que houvesse um consenso nacional, os transgênicos chineses não estão prontos para o plantio disseminado, apesar da visão de Xi Jinping de que a China precisa dominar os “setores-chave” da indústria. Por um motivo: a tradicional divisão entre as academias científicas e os negócios trabalha contra a comercialização.