Em dezembro próximo, a China vai lançar um foguete para colocar em órbita um satélite com o Brasil. Quando o foguete estiver no espaço, os chineses esperam que vários outros investimentos já estejam decolando em solo brasileiro com o objetivo de levar mais do que commodities para aquele país.
Os aportes em ferrovias que a China pretende fazer nas regiões Norte e Centro-Oeste devem ultrapassar 100 mil toneladas de trilhos, neste ano, e são símbolo das parcerias que unem a comercialização de commodities com o desenvolvimento de infraestrutura.
Com 7% da área arável do planeta e 20% da população mundial, a China precisa importar grãos de outros países. Os chineses conseguem suprir a demanda por milho, trigo e arroz, mas 57% da soja que eles consomem sai do Brasil, o principal exportador do produto para a China, desde 2013, quando ultrapassou os Estados Unidos. Por isso, os investimentos em ferrovias são estratégicos para os chineses. O objetivo é o de desenvolver novos sistemas de escoamento da soja pelo Atlântico e Pacífico. Para tanto, a China também pretende fazer aportes em estradas e portos.
O satélite CBERS será o quarto lançado pela parceria sino-brasileira. O último não entrou em órbita, após lançamento mal sucedido em 2013, o que não desanimou os chineses. Pelo contrário. Eles não só aceleraram os planos do CBERS 4 como fixaram bases para novos investimentos com os brasileiros. “Somos países em desenvolvimento e a nossa cooperação aumentou muito, nos últimos anos, com programas para a exploração do espaço profundo, disse Gao Ruofei, vice-presidente executivo da Great Wall Industry Corporation, responsável pelo lançamento.
Para Gao, os países deveriam buscar parcerias em projetos futuros de exploração do espaço, como, por exemplo, um programa lunar. “O objetivo é orbitar a Lua, pousar e regressar à Terra”, disse Fu Zhiheng, outro vice-presidente da companhia. “Brasil e China devem unir as mãos em cooperação espacial”, disse Si Yuan, especialista em projetos sino-brasileiros da Great Wall.
A parceria entre essa empresa e o governo brasileiro dá a dimensão dos acordos que a China quer fazer com o Brasil. Ao lado de poderosas estatais e de inovadoras empresas de tecnologia, o governo chinês quer dar “o grande salto adiante” nos negócios com o país. Os investimentos no Brasil seguem as diretrizes da terceira plenária da atual direção do Partido Comunista, feita em novembro, quando foi decidido que a economia deveria ser menos estatal. O governo central quer aumentar o consumo doméstico e incentivar a inovação.
Acordos com outros países são essenciais para atingir essas metas e, neste sentido, foram firmados mais de 30 atos entre o Brasil e a China, em julho, durante a visita do presidente Xi Jinping a Brasília. Os acordos vão desde a “calibração cruzada de satélites” até convênios para ensinar mandarim em universidades brasileiras. Haverá promoção de investimentos para empresas dos dois países em energia, mineração, tecnologia da informação e no plantio de culturas, como soja e milho. Os governos vão incentivar a construção de fábricas, fusões e aquisições e a fabricação de aviões, automóveis e navios. Os bancos vão receber estímulos para financiar projetos. Até os vistos de empresários brasileiros para China, que duravam três meses, foram ampliados para três anos.
Também em julho, a China inaugurou a sua versão do Google no Brasil, o Baidu. Ainda que tímido, o lançamento mostra a escala das intenções chinesas com o país. A companhia estabeleceu o português como língua de entrada na América Latina e no Caribe, mesmo com o Brasil sendo o único dos 33 países da região a utilizá-lo. Por enquanto, a empresa sequer tem planos para versão em espanhol.
Com uma pegada de urso como símbolo de busca, o Baidu vai estabelecer parcerias com empresas brasileiras, incentivar “startups” e montar um centro de pesquisa e desenvolvimento no país. A companhia vai desenvolver produtos para facilitar a comunicação entre chineses e brasileiros e quem quiser uma experiência oriental de buscas já pode obter resultados em português no endereço br.baidu.com. “Desenvolvemos bases de dados mais rápido do que o Google”, informou uma representante da companhia que pediu para não ter o nome divulgado. O site foi fundado por Robin Li, em 2000, a partir de um investimento inicial de US$ 1 milhão.
Hoje, o Baidu cresce mais rápido do que a China. Ele conta com 500 milhões de usuários regulares num universo de 600 milhões de usuários da internet. Como há 1,3 bilhão de chineses, as perspectivas de crescimento são exponenciais.
Na China, muitas pessoas não sabem teclar e não dominam o alfabeto ocidental, chamado por lá de pinyin. O Baidu cria produtos para facilitar a tradução e a comunicação dos chineses e também deles com estrangeiros. Mas, talvez, a maior vantagem no mercado interno seja a ausência do Google. O site americano saiu da China por causa das restrições ao acesso de determinados conteúdos, como, por exemplo, o massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989. Na versão em português do Baidu, o tema não é tabu. Basta escrever a palavra “massacre” que surgem links para o protesto ocorrido há 25 anos em Pequim ao lado do massacre do Carandiru e de Columbine.
“Respeitamos as leis em todos os países onde atuamos. Isso vale para o nosso país ou para outros, como a Tailândia e demais nações onde há restrições de conteúdos”, disse a representante da empresa.
Ao todo, há 34 mil empregados no Baidu e a sede em Pequim tem um cenário que lembra empresas do Vale do Silício, na Califórnia, com jovens nerds estirados em sofás e almofadas focados em minitelas digitais enquanto desenvolvem programas.
A entrada do site no Brasil não preocupa o Google, que recebe 100 bilhões de buscas todos os meses. Para o site americano, a futura instalação no Brasil de um centro de pesquisas e desenvolvimento pelo Baidu é positiva, pois vai ajudar na formação de engenheiros de computação no país. O Google possui um centro de engenharia em Belo Horizonte, mas a grande dificuldade está na contratação de profissionais do setor.
Ao lado de representantes do Baidu, mais de 200 empresários chineses estiveram no Brasil durante a visita do presidente Xi em busca de aumentar as trocas comerciais que ultrapassam US$ 90 bilhões anuais. “A amizade China-Brasil, hoje, não é só o desejo dos partidos políticos”, disse Li Baorong, vice-diretor-geral do Departamento de Assuntos Latino-Americanos do Ministério das Relações Exteriores da China. “As relações se encontram em seu melhor momento histórico, amplitude e a profundidade chegaram a níveis sem precedentes, com avanços para níveis estratégicos e globais.”
Segundo Xu Ying Zhen, diretora-geral do Ministério do Comércio para a América Latina e Oceania, a novidade dessa delegação foi justamente a participação de empresas de tecnologia e internet, seguindo as diretrizes do governo chinês de diversificar os aportes de capital na região.
A única crítica aos laços entre a China e os países da América Latina foi feita por Zhang Kunsheng, ministro-assistente de Relações Exteriores da China. Para ele, é preciso aumentar o intercâmbio entre os meios de comunicação. “Recebemos informações da América Latina através de veículos da Europa e EUA que nem sempre são verdadeiras. Dos 33 países da região, só quatro têm correspondentes na China. São sete jornalistas ao todo. Para uma região com dois bilhões de habitantes, é muito pouco.”