A fase de alta do “superciclo” das commodities pode ter chegado ao fim para os mercados agrícolas. Com a desaceleração da economia chinesa e a esperada recuperação da oferta mundial, cada vez mais analistas se arriscam a dizer que a escalada iniciada na última década – e que impulsionou economias como a do Brasil – está ficando para trás.
De modo geral, as commodities estão caindo desde abril de 2011. No fim de junho, o índice Dow Jones-UBS (que monitora uma cesta de metais, combustíveis fósseis e produtos agrícolas no mercado futuro) atingiu a menor pontuação em três anos.
A exceção eram os grãos, que há menos de um ano atingiram as maiores cotações da história depois que a pior seca em 50 anos devastou a produção de milho e soja dos EUA. No entanto, estão agora em forte baixa diante da expectativa de uma supersafra mundial. Nos últimos 12 meses, o preço do milho caiu 36%, o do trigo, 28% e o da soja, 22% na bolsa de Chicago.
As agrícolas de origem tropical (as chamadas “soft commodities”) estão em tendência de baixa há mais de dois anos. Pressionado por grandes excedentes, o açúcar negociado na bolsa de Nova York caiu quase 30% no último ano, para o menor patamar desde julho de 2010, enquanto o café recuou 35%, aos níveis de setembro de 2009.
O que economistas se perguntam é se o movimento atual é apenas uma flutuação típica de um mercado em constante desequilíbrio ou o início da fase de baixa do superciclo – ou seja, de uma longa trajetória de queda nos preços das commodities, como a observada ao longo dos anos 1980 e 1990.
Os superciclos das commodities podem ser compreendidos como longas flutuações de preço, ciclos que duram de 30 a 40 anos, divididos em uma fase de alta e outra de queda nas cotações. Em um estudo publicado em 2012, os economistas José Antonio Ocampo e Bilge Erten, da Universidade de Columbia, demonstraram a existência de quatro superciclos desde o último quarto do século 20. No caso dos produtos agrícolas, os três primeiros aconteceram entre 1894-1932, 1932-1971 e 1971-1999.
Para todas as commodities, 1999 marca o início do quarto superciclo, com uma alta de preço sem precedente na história capitalista, segundo a consultoria Mckinsey, suficiente para mais do que anular a queda acumulada em todo o século passado. Num intervalo de dez anos, as cotações do petróleo e de metais como o cobre praticamente quintuplicaram, enquanto produtos como milho, soja, trigo e açúcar ficaram até três vezes mais caros.
“Penso que ainda estamos na fase de alta do ciclo, mas provavelmente no fim dela”, afirma José Antonio Ocampo, em entrevista ao Valor. “A velocidade do crescimento global é o principal determinante dos ciclos. Se o crescimento for mais fraco, e acho que será, então isso pode levar ao fim da alta”.
Ocampo observa que a fase de elevação dos preços nunca durou mais do que duas décadas nos superciclos anteriores – no caso específico das agrícolas, foram 23 anos de alta no primeiro ciclo (de 1894 até 1917), 19 anos no segundo (de 1932 a 1951) e apenas dois anos no terceiro (1971 a 1973). Desde o início do quarto ciclo, já se passaram 14 anos.
Para Ocampo, a sobrevida do ciclo atual depende de como a economia chinesa vai se comportar daqui para frente. “Esse é um fator crítico. O rápido processo de urbanização e aumento da renda na China foi determinante para a alta das commodities, mas o país cresce há duas décadas é há consenso de que está desacelerando”, afirma.
Segundo diferentes previsões, a China não deve crescer mais do que 7,5% neste ano e pode oscilar entre 6% e 7% até o fim da década – passo cada vez mais distante dos 14,2% registrados em 2007. “Em poucos anos, veremos a China crescer abaixo de 5%”, arrisca Pedro Dejneka, analista de commodities agrícolas da PHDerivativos, em Chicago.
Para Dejneka, a demanda chinesa por grãos vai continuar forte, mas vai crescer em ritmo mais lento nos próximos anos. “O choque de demanda criado pela rápida ascensão da China – um país sobre o qual quase ninguém falava até os anos 1990 – passou”.
Outros choques de demanda, como os criados pela Lei dos Combustíveis Renováveis dos Estados Unidos (2007), também já foram absorvidos. Em poucos anos, vale lembrar, o uso de milho para a produção de etanol saltou de praticamente zero para mais de 100 milhões de toneladas. Contudo, essa demanda começa a se estabilizar, uma vez que o aumento do uso de etanol deverá, por lei, se apoiar em outras fontes nos próximos anos.
Por essas razões, os preços das matérias-primas tendem a se acomodar em patamares mais baixos daqui para frente. Para o Banco Mundial, os preços nominais em dólar de produtos como soja, milho, trigo, óleo de palma, carne bovina e de frango, além de cobre e petróleo, devem encerrar a década em patamares médios ligeiramente inferiores aos de 2013.
Para o consultor de commodities Shawn Hackett, da Hackett Advisors, da Flórida, os preços dos grãos devem “ter um alívio e permanecer bem abaixo de onde estiveram por alguns anos”. “Carnes e lácteos são itens alimentícios caros. À medida que a China continue a desacelerar, a demanda por esses produtos mais caros também vai ceder e, naturalmente, o consumo de grãos para fabricação de ração”. Hackett afirma, porém, que os preços dos grãos podem ter uma escalada final entre 2017 e 2018, em virtude de eventuais problemas climáticos combinados com uma recuperação da economia chinesa, antes de finalmente entrar em sua fase de queda no ciclo.
Contudo, há quem seja cético em relação ao fim da fase de alta do último superciclo. Michael Haigh, chefe global de commodities do Societe Generale, é um deles. Ele lembra que superciclos são processos que podem durar décadas e refletem processos de mudança estrutural na economia – como foi com a ascensão econômica dos EUA no início do século 20, a reconstrução da Europa após a 2ª Guerra e a emergência do Japão entre os anos 1960 e 1970. “O último superciclo decorreu de processos de urbanização, crescimento populacional e da classe média nos países emergentes. A menos que você acredite que essas três coisas serão colocadas em espera, não pode achar que o superciclo acabou”.
Para o economista, episódios como a quebra do Lehman Brothers, a ameaça de colapso do euro e o ‘abismo fiscal’ americano provocam fortes oscilações nos preços das commodities, mas não mudam a tendência de longo prazo. “Seria como dizer que não há mais incentivos à expansão da fronteira agrícola e aos investimentos em infraestrutura no Brasil, o que não me parece o caso”.
De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), lembra o economista, cerca de 3 bilhões de pessoas vão ascender às classes médias de consumo até 2030 em todo o mundo, sobretudo na Ásia e no Pacífico, totalizando 4,9 bilhões. Em 2009, segundo o mesmo estudo, esse número era inferior a 2 bilhões de pessoas. “Quando você olha para os aspectos demográficos, não dá para falar em reversão”, afirma Haigh.
Para ele, o recuou recente das commodities reflete o que ele chama “ciclos de negócios”, flutuações mais curtas dentro dos superciclos. “No primeiro superciclo, houve 11 ciclos de negócios, com enorme variação de preços dentro deles”. Apenas no superciclo atual, foram dois ciclos de negócios (estouro da bolha imobiliária dos EUA, em 2008, e a crise da zona do euro, em 2011). “Ainda assim, os preços das commodities seguem resilientes, em níveis muito elevados em relação aos períodos de depressão. Quando terminaram os superciclos anteriores, como em 1914 e 1973, o impacto foi muito maior”.