Por mais que a conferência do clima de Varsóvia, a COP-19, não tenha por objetivo ser um evento de decisões, ela dará o rumo a seguir até o megaencontro de Paris, em 2015. É ali que se espera seja assinado o acordo climático internacional que deve vigorar em 2020. Mas há muitas pedras pelo caminho. Uma das maiores deve ser, de novo, o Congresso dos EUA.
A conferência de Varsóvia entra na reta final, esta semana, com a chegada de ministros e a tarefa de deixar pronta uma agenda para os próximos meses e os temas que o novo acordo deverá contemplar. Há duas reuniões importantes antes de Paris: a de Nova York, em setembro, convocada pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e a de Lima, no Peru, no final de 2014.
O encontro de Nova York pode até ser efervescente. O problema é que, em 4 de novembro, haverá eleições para o Congresso dos EUA. Hoje, os republicanos têm maioria na Câmara, e os democratas, no Senado. É difícil prever o que pode acontecer nas eleições, mas parece improvável que os democratas obtenham a maioria nas duas casas. Sob os republicanos, o Congresso americano tem sido avesso às negociações climáticas, como ocorreu com o combalido Protocolo de Kyoto. Foi um estresse diplomático tentar encontrar uma rota que driblasse os congressistas americanos na tentativa frustrada de se chegar a um acordo na conferência de Copenhague, em 2009. Não foi só por isso que a reunião na Dinamarca fracassou, mas a certeza que o Congresso americano dificilmente aprovaria um acordo era uma constante pá de cal nos esforços.
Este mesmo ponto ressurge agora. “A relação do Congresso americano com tratados internacionais é complicada”, diz Jennifer Morgan, diretora do programa de clima e energia do World Resources Institute (WRI), um instituto de pesquisas de energias renováveis dos EUA. O Senado americano sequer conseguiu ratificar a convenção sobre o direito das pessoas com deficiências, por exemplo.
No caso da recente convenção sobre o uso de mercúrio, o presidente Barack Obama conseguiu se comprometer com ela sem enviá-la ao Senado. “Isso foi possível porque o tratado internacional não tinha nada adicional ao que já existe na lei nacional dos EUA”, disse Morgan. “Não está claro se isso pode ser feito também em relação à mudança do clima.”
Há um mês, em encontro na Chatham House, o mais importante think-tank britânico de relações internacionais, Todd Stern, o principal negociador climático americano, disse qual é a visão dos EUA para o novo acordo: “Tem que ser ambicioso, eficaz e durável.”. Seguiu: “Para um acordo do gênero, um formato rígido é o inimigo”.
A nossa de “flexibilidade” do novo acordo é importante para os americanos. “Em vez de negociar metas e prazos, apoiamos uma estrutura de compromissos de mitigação de gases-estufa determinados nacionalmente”, disse Stern. Isso sugere que as metas de redução de emissões devem ser voluntárias para todos os países.
Stern disse ainda que é preciso ser “criativo” e “flexível” sobre a característica legal do acordo. “Insistir em que apenas um caminho funciona, como o de um acordo legalmente vinculante em todos os seus aspectos, pode tonar inatingível a meta de se chegar a um acordo ambicioso, eficaz e durável.”
André Corrêa do Lago, que foi negociador-chefe do Brasil em várias conferências ambientais antes de tornar-se embaixador no Japão, dizia que a importância do Protocolo de Kyoto era ser “o arcabouço legal com as estruturas que vão levar adiante tudo o que é necessário para o acordo de 2020”. Sem ele, “vira um cenário de faroeste, um mundo sem regras, em que tudo seria voluntário. E isso, todos nós sabemos, não vai resolver o problema do clima.”
Para não dar uma volta no parafuso e chegar ao mesmo impasse de 2009, alguns países sugerem que o acordo de 2015 seja híbrido.
“Teria, por exemplo, metas nacionais, mas com uma moldura global para regras de equidade entre os países, contabilidade das emissões e também revisão das metas para garantir ambição”, explica Tasneem Essop, que chefia a delegação do WWF na Polônia. Mas ela diz que o debate sobre o tipo de acordo está no início e tem de amadurecer ainda.
Na semana passada, membros da delegação americana e de outros países participaram de um evento interativo na COP-19. Em dois telões, pessoas que haviam participado da discussão do Protocolo de Montreal e da convenção internacional sobre espécies ameaçadas explicavam quais mecanismos há nesses tratados internacionais que os tornam eficientes globalmente e executados pelos americanos, driblando a barreira do Congresso dos EUA, explica Lou Leonard, vice presidente de mudança do clima o WWF-EUA.
Esse tema fundamental sobre o novo acordo climático está na beira da COP-19, que fechou a primeira semana mal parada. “Foi horrível”, diz Tasneem. O Japão anunciou um recuo da sua meta de corte de 25% das emissões em 2020, em relação ao nível de 1995. O corte agora será de 3,8% em relação ao nível de 2005, por conta do uso maior de termelétricas em função do desastre de Fukushima. Isso equivale a aumento de emissão de 3,1% sobre os níveis de 1990.
Outro golpe veio da Austrália. Há poucos dias o novo premiê, Tony Abbott, apresentou um projeto de lei que termina com a taxa de carbono que era cobrada desde 2012 das empresas que mais poluem no país. A medida havia gerado resistência porque elevou a conta de luz da população, embora tenha feito cair as emissões. Abbott quer introduzir um sistema para que o governo pague pela redução de emissões da indústria. Segundo a Climate Action Tracker, organização que junta três institutos científicos e procura mapear como avançam os compromissos de reduzir emissões dos países, a medida irá fazer com que as emissões australianas subam em 2020. É uma tendência oposto à meta de corte de 5% nos níveis do ano 2000. A proposta levará a uma “recarbonização do setor energético australiano”, disse Bill Hare, diretor da Climate Analytics, e leva a uma “política climática que vai na direção oposta ao que diz a ciência”.
O resultado oficial do desmatamento da Amazônia – 5.843 km2 desmatados entre agosto de 2012 e julho de 2013, um salto de 28% em relação ao período anterior, segundo apontou o Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) -, foi mais uma má notícia em Varsóvia.
“Há muito bloqueio nos debates aqui, até em pontos incontestáveis e moralmente importantes”, avaliou Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de mais de 30 ONGs no Brasil que monitora o tema nas políticas públicas. “No momento em que há um tufão desta magnitude nas Filipinas e eventos extremos ocorrendo em todas as partes, existe um abismo moral entre o processo político da COP-19 e a urgência da mudança climática”, continua. Ele disse que não houve avanços, como se esperava, na agenda de “perdas e danos” (loss and damage), isto é, as ações e recursos financeiros para os países mais vulneráveis aos impactos da mudança do clima.
“O processo não avança com a velocidade que a gente gostaria”, disse o embaixador José Antonio Marcondes de Carvalho, que chefia a delegação brasileira. “Nós viemos com várias propostas no sentido de promover o avanço da ambição deste acordo.” A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, e o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo Machado, chegam a Varsóvia esta semana.