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Economia

Controle das fusões

EUA aumentam ações antitruste e fortalecem política rigorosa do Cade. Objetivo é intensificar as investigações de condutas anticompetitivas.

Controle das fusões

Os órgãos antitruste dos Estados Unidos vão fortalecer o controle sobre as fusões e aquisições das empresas e intensificar as investigações de condutas anticompetitivas. Essa nova orientação foi dada pelo presidente Barack Obama e deverá ter impactos diretos no Brasil, pois incentiva o Cade a manter a linha de rigor sobre as megafusões realizadas aqui e a buscar punições cada vez mais altas contra cartéis.

“A imagem geral que Obama criou na campanha e a perspectiva de seus discursos foi a de que o programa de defesa da concorrência é eficiente, mas a expectativa geral é a de que as agências devem fazer mais”, afirmou William Kovacic, conselheiro da Federal Trade Commission (FTC, órgão equivalente ao Cade nos EUA).

Kovacic é considerado uma instituição no antitruste americano, pois já atuou por três vezes na FTC nos últimos 30 anos. A primeira delas foi em 1979. Desde então, 70 Cades foram criados e Kovacic viajou os cinco continentes para auxiliar os países a fortalecer a política antitruste internacional. Ele ocupou a Presidência da FTC, entre março de 2008 e março deste ano, quando chefiou 1,1 mil pessoas na investigação dos principais negócios realizados naquele país. Atualmente, é um dos cinco conselheiros. Em entrevista ao Valor, Kovacic revelou que Obama exigiu mais dos dois órgãos antitruste americanos. “A administração Obama vai fazer mais e isso deve influenciar a FTC também porque ela sabe que deve fazer mais. O difícil, para mim, é prever o que será esse ‘a mais’ que deveremos fazer”, admitiu o conselheiro.

Kovacic acredita que o programa de combate aos cartéis foi mais forte na administração Bush do que na administração Clinton, porém reconheceu que “esse não foi o pensamento do presidente Obama”. “Durante a Administração Bush, nós trouxemos um grande número de casos envolvendo acordos entre competidores, que foi maior do que na administração Clinton”, disse o conselheiro. O problema é que a administração Bush não conseguiu punir nenhuma empresa por conduta anticompetitiva unilateral (quando apenas uma empresa prejudica os seus concorrentes). Até o Brasil obteve resultados nessa área, ao multar a Ambev em R$ 352 milhões, em julho, por conta de um programa de fidelização de pontos de venda. Foi a multa recorde no antitruste brasileiro. Nos últimos oito anos, os Estados Unidos não registraram nada parecido. Há punições bilionárias contra acordos ilegais feitos entre várias empresas, mas não houve nenhuma condenação contra empresa que, individualmente, prejudica o mercado.

Agora, os americanos terão de lidar com mais força nessa área de combate a condutas unilaterais de empresas. A dificuldade está em antever o quanto as autoridades serão mais rigorosas com as companhias americanas. Kovacic comparou a promessa de Obama com declarações de um treinador de futebol antes de o campeonato começar. “Se você é um treinador e diz que vai ganhar o campeonato no fim do ano, é melhor fazê-lo. Isso cria uma pressão para fazer mais. Mas, no momento atual, é difícil dizer o quão maior será.”

Uma certeza ele tem: a de que a cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos nessa área deve aumentar. Isso significa um sinal de alerta para as multinacionais que fazem acordos para controlar os preços no plano internacional e incluem o Brasil na lista.

Segundo Kovacic, o Brasil está sendo considerado pelas autoridades americanas como um dos dez países mais procurados para traçar estratégias comuns de combate a cartéis internacionais. Em fevereiro, provas obtidas no Brasil foram essenciais para que o Departamento de Justiça americano processasse o chamado cartel dos compressores – união ilegal de empresas para fixar o preço internacional de dispositivos de refrigeração utilizados em diversos eletrodomésticos, como geladeiras. Em 30 de setembro, a Whirlpool, dona das marcas Consul e Brastemp, assinou um acordo com o Cade para pagar R$ 100 milhões e, com isso, sair do rol das acusadas neste processo no Brasil. “Acho que houve um tremendo progresso na nossa relação e espero que continue. O Brasil tornou-se um participante crucial na rede internacional de proteção à concorrência. Ele está na lista das dez autoridades com que conversamos sobre cartéis”.

O conselheiro é um crítico da política de criar “campeãs nacionais” – empresas que o governo incentiva para serem líderes setoriais e, depois, disputar o mercado lá fora. Para ele, ao favorecer essas empresas, o governo acaba tirando-as do ambiente de competição. “A maneira de a empresa se tornar forte é através da competição”, disse. “É como no futebol. Você pode escolher um garoto para ser o seu campeão e apostar tudo nele, mas a única forma de saber se ele é mesmo o melhor é colocá-lo para competir com os outros”.

Diferentemente do Brasil, que possui três órgãos nessa área (o Cade e as secretarias de Direito e de Acompanhamento Econômico dos ministérios da Justiça e da Fazenda), nos Estados Unidos há duas agências com funções bem definidas. A FTC cuida de fusões e aquisições, enquanto o Departamento de Justiça é responsável pelo combate aos cartéis. Kovacic reconhece que o sistema com três órgãos não é o ideal. Mas o importante, segundo ele, é o fato de o Brasil estar discutindo modificações nesse sistema, como o projeto de lei em tramitação no Senado que prevê a criação do novo Cade como a agência de defesa da concorrência no País. “O mais importante que qualquer sistema pode fazer é melhorar continuamente a sua estrutura. É como um sistema de computador”, comparou. “Você precisa estar atualizado sempre”.