No elegante açougue Jack O’Shea, a cinco minutos do prédio central da Comissão Europeia, em Bruxelas, os clientes até recentemente não hesitavam em pagar €37 euros (R$ 84) por um quilo de contra-filé importado. Mas agora, com as persistentes incertezas sobre a crise na zona do euro, mesmo quem tem uma boa renda se retrai e prefere comprar cortes de menor qualidade ou carne branca, que são alternativas mais baratas.
“Está todo mundo inquieto. Primeiro as pessoas cortam as idas ao restaurante e depois o consumo de carne mais cara”, diz Wesley Morais, um dos açougueiros do Jack O’Shea, enquanto empilha quilos de carne na prateleira como se fossem verdadeiras joias.
Jean-Luc Meriaux, secretário-geral da União Europeia do Comercio de Gado e de Carnes (UECBV, na sigla em francês) olha a cena também com inquietação. Ele conta que a preferência europeia em geral é cada vez maior por carne bovina moída. Na França e na Grã-Bretanha, o produto já representa 50% do total vendido hoje em dia.
Na Europa, o consumo de carne bovina declinou de 16 para 14,4 quilos por habitante entre 2007 e 2011, conforme a Agência das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO). No caso da carne de ovinos, a queda foi de 2,1 para 1,6 quilo, e no da carne suína, de 32,8 para 32,3 quilos. Em contrapartida, o consumo de carne de frango subiu de 19,4 para 21,5 quilos na mesma comparação.
Com sua própria demanda de carne bovina em baixa, há sobra suficiente para que a UE registre superávit no comércio exterior do segmento pelo segundo ano consecutivo desde 2003. “É incrível. Estamos voltando a ser exportadores, e mesmo sem subsídios para a produção”, afirma Meriaux.
Em 2011, as exportações europeias cresceram 30% em volume e 63% em valor. Alcançaram 620 mil toneladas e renderam € 1,8 bilhão. Em 2010, os embarques somaram 485 mil toneladas – 20% do total de gado vivo -, ou € 1,1 bilhão. Tudo isso em meio à queda de 2,5% na produção. A expectativa é que a produção recue mais 4% este ano, mas que as exportações continuem em alta.
Já o volume das importações europeias de carne bovina declinaram 16% nos 11 primeiros meses de 2011 em comparação a igual período de 2010, de 380 mil toneladas (€ 1,5 bilhão) para 286 mil (€ 1,6 bilhão). Os únicos países que têm conseguido aumentar as exportações para a UE são EUA e Austrália, mas partindo de bases bem baixas. Os americanos exportaram cerca de 20 mil toneladas, enquanto os australianos venderam outras 17 mil, dentro de cotas.
Já as exportações de carne bovina do Brasil e da Argentina para o mercado europeu desmoronaram (ver ao lado). Ficaram não apenas mais raras como mais caras. O preço quase dobrou entre 2010 e 2011, reduzindo enormemente a diferença em relação ao custo da carne europeia, segundo Meriaux.
Liz Murphy, presidente da Associação Internacional do Comércio de Carnes, conta que a demanda na UE caiu tanto que está difícil encontrar um bom filé em um pub londrino. “Está todo mundo mudando o menu, de carne bovina para outro tipo de carne”. Segundo a executiva, o declínio no consumo é evidente também na França, na Itália, na Holanda e na Finlândia.
“Existe o impacto da crise econômica, mas também o efeito do alto preço da carne bovina”, confirma Conceptión Calpe, economista da FAO em Roma. Seus dados mostram que o consumo de carnes em geral cai nos países desenvolvidos, mas continua a crescer em emergentes.
Nesse contexto, França e Alemanha consolidam-se como os maiores exportadores europeus. Até a bresaola, (carne seca curada em sal), especialidade gastronômica italiana que era preparada com carne brasileira, hoje é produzida com produto alemão. As vendas europeias tomam cada vez mais o rumo de países como Turquia, para onde pularam de 214 toneladas, em 2007, para 156 mil em 2011.
A vizinha Suíça, que não faz parte da UE, dobrou as importações procedentes da Europa. E nesse que é um dos países mais ricos do mundo, o bolso também começa a decidir qual carne escolher. “Os cortes mais caros de carne bovina continuam a ser bem vendidos, se estão em oferta. Mas, se vendemos carne suína também em promoção, sai mais carne suína”, conta Monika Weibel, porta-voz da rede de supermercados Migros.
Contudo, Maria Zé-do-Pipo, como é conhecida a gerente do popular restaurante Zé-do-Pipo no centro de Genebra, onde se reúnem jornalistas, diplomatas e funcionários de bancos, aponta uma nuance: “Se colocamos bife no menu, todo mundo come. Mas se é porco, quase ninguém escolhe o prato”.
Para alguns analistas, a crise econômica acelera a mudança de consumo na Europa. Emerge um novo tipo de consumidor, o “flexitariano”, um vegetariano flexível, que reduz a compra de carnes tanto por razões econômicas quanto ambientais e de saúde, estimulados por campanhas como “Meatless Thursday” ou “Meat-Free Monday”.