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Mercados

Dificuldades do Brasil em Copenhague

<p>Pedro de Camargo Neto afirma que Copenhague será mais difícil que Rodada Doha. "Brasil não pode sair da reunião com entraves agrícolas".</p>

Engenheiro, construtor, fazendeiro, membro do governo, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Pedro de Camargo Neto já seguiu várias carreiras, mas, entre todos os assuntos, a maior paixão aparece mesmo quando o tema são as negociações internacionais. “Acompanhei todas as reuniões de criação da Organização Mundial do Comércio”, diz.

Camargo Neto foi convidado a criar a Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs) em 2002, como fim do governo Fernando Henrique Cardoso, onde ocupava a Secretaria de Produção no Ministério da Agricultura. O que levou empresas como Sadia e Perdigão a escolherem o executivo foi justamente sua experiência em negociações internacionais. O grande objetivo da Abipecs, que Camargo Neto preside até hoje, é abrir novos mercados para a carne suína brasileira.

Depois de participar de negociações como a Rodada Doha de liberalização do comércio mundial e inúmeras conversas bilaterais, especialmente na área da carne suína, o executivo sentencia: o clima é hoje um tema muito mais importante que o comércio, e apresenta tantos riscos ao Brasil quanto o protecionismo comercial.

Brasil Econômico: O sr. foi um dos criadores do Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Estado de São Paulo, em que o setor privado se movimentou para resolver o problema da aftosa. Ainda hoje é o setor privado que precisa resolver questões sanitárias?
Pedro de Camargo Neto: Acho que sempre será assim em tudo. Não sou dos que põem toda a culpa no governo.

BE: O governo é tão bom quanto a sua sociedade. Veja o problema do apagão elétrico: sem entender nada de energia posso afirmar que a sociedade ligada a esse setor foi omissa ou complacente com o nível de risco que existe hoje. No ministério, o senhor também colaborou com a criação do contencioso do algodão contra os Estados Unidos na OMC. Agora que o Brasil ganhou a ação, deve retaliar?
Camargo Neto: Temos que pressionar para que os Estados Unidos retirem os subsídios ilegais aos produtores de algodão. Temos que retaliar, e o governo já sinalizou claramente que o fará. A questão é que o valor da retaliação autorizada, de US$ 800 milhões, é muito alto para ser concentrado apenas em tarifas de bens. Acima de US$ 400 milhões fica muito difícil o Brasil elevar tarifas sem prejudicar a si próprio, porque produtos importados relevantes começam a ficar caros.

BE: Qual seria a saída?
Camargo Neto: O Brasil precisa retaliar também em propriedade intelectual, o que está previsto na decisão da OMC. Até porque, US$ 400 milhões em retaliação no comércio não representam nada para os Estados Unidos. Vejo a retaliação em propriedade intelectual como necessária para fazer os EUA se mexerem, e não por motivos ideológicos.

BE: Como ficaram as relações com os EUA no governo Obama?
Camargo Neto: Obama não liga para o comércio. Ele está mais com a cabeça no Afeganistão. A saúde, o Iraque e o Afeganistão são as frentes de atuação política do governo Obama. A América do Sul ainda não entrou no radar dele. Mas no mundo todo, o comércio não é mais uma questão tão importante. Não é mais importante que o clima.

BE: O que o agronegócio pode esperar da reunião do clima de Copenhague, em dezembro?
Camargo Neto: O clima é muito mais importante hoje do que a Rodada Doha. Se houver acordo em Copenhague, será de questões genéricas, mas vejo como uma armadilha também. A consciência de que o estilo de vida de uma população muito rica pressiona o meio ambiente existe, mas a ideia dos países desenvolvidos é pagar para continuar poluindo e gastando muita energia, com os créditos de carbono. Acho que esse modelo, criado em Kyoto, vai persistir em Copenhague.

BE: Que armadilhas podem se esconder em Copenhague?
Camargo Neto: Não demos conta de Doha, que se tivesse terminado teria o Brasil como grande ganhador. E agora estamos entrando em rodadas mais complexas, porque em Doha o tema era comércio, que é pura aritmética. Quando falamos de clima falamos de algo muito mais complexo. Os Estados Unidos chegam a Copenhague sem conseguir aprovar a lei ambiental no Congresso, também não há consenso na União Europeia (UE) e a China não vai parar de crescer acima de 10% ao ano. Um acordo vai ser muito difícil.

BE: Mas quais são os riscos para o agronegócio brasileiro?
Camargo Neto: É importante que não se saia de Copenhague com um entrave agrícola que reforce o protecionismo. Mas estamos caminhando para isso [para que o reforço aconteça]. Não podemos deixar os EUA e a UE arranjar mais um argumento para se proteger. Os agricultores americanos já dizem hoje, de antemão, que precisarão de proteção caso se sujeitem a regras ambientais mais rígidas que seus competidores internacionais.

BE: O agronegócio está preparado para enfrentar essas barreiras?
Camargo Neto: Essas barreiras ainda não existem, mas Copenhague pode começar a consubstanciar políticas de governo nesse sentido. Diria que a agricultura brasileira está atenta, mas se mal conseguimos fazer hoje o que deveríamos ter feito ontem, que dizer do que nos será cobrado daqui a uma semana.

BE: E quanto ao preparo para a participação em Copenhague?
Camargo Neto: Acho que o Brasil vai ser um participante com competência. Vejo o Brasil pronto para não assumir compromissos sem conhecer seus impactos. Mas as discussões principais serão mesmo de China, Índia e África versus Estados Unidos.

BE: O protecionismo é o principal problema do agronegócio brasileiro, especialmente com o agravamento das proteções após a crise?
Camargo Neto: O principal problema do agronegócio neste momento é o câmbio, que tem nos prejudicado muito. Quanto ao protecionismo, posso pegar com propriedade a carne suína: a Rússia de fato diminuiu as cotas de importação e aumentou as tarifas extracotas depois da crise. Mas de forma geral não houve grande piora. Acredito que a União Europeia deve abrir seu mercado para o Brasil dentro de dois meses. O que acontece é que na carne suína as barreiras ainda são sanitárias, e o serviço sanitário europeu, pelo que vejo, tem hoje uma grande independência. O que não pode haver agora é um apagão sanitário, sem resposta satisfatória a um novo foco de aftosa, por exemplo, como ocorreu em 2006.

BE: Voltando ao câmbio, os empresários não devem se adaptar a um real mais forte já que a economia vai bem?
Camargo Neto: Sim, isso é verdade. Vendo que o câmbio ficará na casa de R$ 1,70,mais ainda que é preciso trabalhar para abrir novos mercados, que paguem melhor pela carne suína brasileira. No entanto, isso não autoriza o governo a ficar apático. O câmbio é, na verdade, o primeiro desafio macroeconômico que o governo Lula enfrenta. Até hoje, foi um sucesso seguir a linha deixada por Fernando Henrique na política econômica. Agora há um desafio novo, que exige uma resposta adequada. Algo grande. Quando eu nasci, o Brasil tinha dificuldade em conseguir divisas, e agora o problema é justamente o excesso de divisas. No governo FHC houve problema semelhante, e a resposta foi a Lei Kandir [que desonerou as exportações].