A Cúpula de Líderes sobre o Clima convocada pelo presidente americano, Joe Biden, abre amanhã um ano marcado por discussões sobre as mudanças climáticas que culminará em novembro com a COP-26, a Conferência do Clima da ONU em Glasgow, na Escócia. O debate é permeado por um ultimato: não basta reduzir as emissões de gases de efeito estufa, é preciso mudar os modos de produção.
A lista dos maiores poluidores é liderada pela China, seguida dos países desenvolvidos, que há dois séculos atingiram essa posição explorando combustíveis fósseis. Agora, a expectativa é que troquem carvão e petróleo por energia renovável, como a eólica e a solar.
A adesão à economia sustentável resolveria um impasse que frustra a assinatura de acordos ambiciosos em conferências climáticas. Alguns países em desenvolvimento consideram ter o direito a explorar combustíveis fósseis, mesmo cientes dos danos provocados pela emissão de gases estufa, alegando que foi esse recurso que assegurou o crescimento das nações ricas.
A China é, desde 2007, o maior produtor mundial de dióxido de carbono — hoje, é responsável por 26,7% das emissões globais. Até então, a liderança era dos EUA, que respondem por 12,6%.
Cerca de 7,5% dos gases estufa emitidos no mundo vem dos 27 países do bloco europeu, pioneiros na adoção de combustíveis fósseis, ainda no século XVIII. Em seguida, no ranking, vêm países populosos, desenvolvidos ou emergentes, cujo crescimento econômico ocorreu a partir de meados do século XX — Índia (7% dos poluentes globais), Rússia (5,3%), Japão (2,5%), Brasil (2,1%), Indonésia (2%), Irã (1,7%) e Canadá (1,5%).
O ranking, assinado pelo World Resources Institute, não contabiliza as emissões provocadas pelo uso da terra. Nesse caso, o Brasil ultrapassaria o Japão.
“Os países desenvolvidos estão em xeque-mate porque os combustíveis fósseis já não são um ativo econômico. Algumas indústrias estão morrendo”, diz Natalie Unterstell, diretora do Instituto Talanoa e mestre em Administração Pública por Harvard. “A mudança do clima não é só questão ambiental, mas também uma transição econômica. Temos a oportunidade de dar um salto, enquanto as nações ricas precisarão converter sua infraestrutura.”
Segundo Natalie, a cobrança será maior sobre os EUA, organizador da cúpula. A expectativa é que o país apresente uma meta ambiciosa para reduzir suas emissões de gases estufa até 2030, seguindo o exemplo europeu. A China também se destacou ao investir US$ 3,1 bilhões em políticas de combate às mudanças climáticas no Sudeste Asiático. O Brasil, por sua vez, chega à cúpula com a reputação manchada — pela primeira vez condiciona o cumprimento de metas ao recebimento de recursos.
“O Itamaraty nunca quis competir por verbas com países pobres, como agora. E o pior é que não receberá, porque demonstrou ao mundo que não sabe investir, já que dispõe de recursos congelados como o Fundo Amazônia, de R$ 2,9 bilhões”, destaca Natalie.
Embora o Brasil alegue que os países ricos têm uma dívida com outras nações, ela avalia que a era de “apontar o dedo” em busca de culpados já passou. O economista Sérgio Besserman concorda:
“Não faz sentido dizer que esta é a vez de as nações em desenvolvimento começarem a emitir gases estufa. A economia do futuro é a do baixo carbono. Quem não seguir este caminho não será competitivo”, afirma Besserman, coordenador estratégico do Climate Reality Project. Em resposta à desigualdade histórica, o Acordo de Paris criou um fundo climático em que os países desenvolvidos depositarão US$ 100 bilhões anuais, voltados para projetos de adaptação às mudanças climáticas e incentivo à transição para uma economia de baixo carbono em nações em desenvolvimento. Besserman defende que o Brasil não seja contemplado:
“O Brasil não é um país pobre. É extremamente desigual. O mesmo vale para a China, que já tem o maior poder de compra do mundo. Não devemos nos apresentar internacionalmente como um pedinte.”
O economista sublinha que metade dos gases estufa na atmosfera foram emitidos nos últimos 30 anos, quando a ciência já conhecia as consequências desse processo, como o aquecimento global.
Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP, assinala que alguns dos maiores emissores globais já perceberam o prejuízo provocado pela liberação de poluentes, mas têm dificuldades para reajustar sua economia.
“É impossível que países como EUA e China façam a transição energética em cinco ou dez anos, mesmo com grandes investimentos em fontes renováveis” pondera. “A China é a maior produtora do mundo de painéis solares e geradores de energia eólica. Mas ainda tem um legado de usinas térmicas a carvão das quais precisa se livrar.”
Já o Brasil, de acordo com Artaxo, perde o “bonde da renovação energética”:
“Temos um grande potencial não aproveitado para energia eólica e solar, sobretudo no Nordeste. Trinta anos atrás, explorar essas fontes limpas tinha um preço impraticável. Agora, não é o caso. Todos os países querem se livrar da dependência do petróleo. Precisamos fazer o mesmo.”