A nova onda de valorização do real está exigindo o reforço do arsenal de instrumentos utilizados pelas empresas brasileiras para minimizar o impacto negativo do câmbio sobre as margens obtidas nas exportações. Entre as medidas mais aplicadas, além das operações de proteção com derivativos financeiros, aparecem o realinhamento de preços, o aumento da importação de insumos e também dos índices de nacionalização dos produtos fabricados nas unidades industriais no exterior.
A Marcopolo, fabricante de carrocerias de ônibus que no primeiro semestre obteve 35,8% da receita líquida consolidada (R$ 959,9 milhões) com exportações e vendas das controladas no exterior, aplicou na quinta-feira reajuste de 5% nas tabelas para o mercado externo, mesmo percentual adotado há três meses, totalizando 10% de alta no período. Mas o valor serve apenas de referência, porque os preços finais são negociados caso a caso, explica o diretor de operações comerciais no mercado internacional, Paulo Andrade.
De acordo com dados da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), os preços de exportação de manufaturados recuperaram, a partir de maio, 2,3% do valor perdido desde meados de 2008. Na relação com o câmbio, o momento é ruim, mas não é mais desfavorável para o exportador nos últimos 20 meses (ver gráfico).
Nas vendas para os países em que o câmbio também está em alta, como o Chile, a Marcopolo tem conseguido repassar pelo menos um percentual equivalente à variação cambial, pois o preço em moeda local continua o mesmo, informa o executivo. Fora isso, os realinhamentos ocorrem quando há aumento das matérias-primas e inflação de custos em dólar. “É um jogo diário”, diz Andrade. Outra estratégia é elevar o índice de conteúdo local na produção no exterior, reduzindo vendas do Brasil àquelas unidades. A Marcopolo tem operações em sete países.
Segundo o diretor, a empresa tem maior espaço para elevar a nacionalização da produção na África do Sul, que recebe 50% dos componentes do Brasil. No México, o índice é de 30%, contra 70% há um ano e meio. Já a Colômbia recebe pouco mais de 10% de insumos brasileiros, enquanto as unidades da Índia e do Egito operam desde o início com 100% de conteúdo local ou adquirido na Ásia.
Outra empresa que estuda o aumento da nacionalização da produção em subsidiárias é a Agrale, fabricante de caminhões leves, chassis para micro-ônibus e tratores de pequeno porte. A empresa instalou uma fábrica na Argentina em agosto de 2008 para fugir das oscilações da cotação do real. O país vizinho é o principal mercado externo da empresa e o índice de nacionalização dos chassis e caminhões produzidos lá já chega a 30%. A ideia é elevar esse percentual, embora ainda não seja possível determinar em que ritmo, diz o diretor comercial Flávio Crosa.
Segundo o executivo, neste momento a Agrale está estudando qual percentual de reajuste será necessário aplicar nas tabelas de preços para o mercado externo. A última elevação ocorreu no terceiro trimestre do ano passado. No início de 2009, quando o dólar chegou a R$ 2,10, R$ 2,20, as tabelas até haviam sido reduzidas.
O mais complicado, de acordo com Crosa, é aumentar preços para clientes tradicionais, que têm a referência de encomendas anteriores. “Aí é impossível repassar toda a variação.” Já para os novos é possível apresentar custos mais compatíveis com o câmbio atual, mas mesmo assim prevalece a negociação caso a caso, com mais facilidade para ajustes em mercados que tiveram valorização expressiva da moeda local nos últimos meses, como a Colômbia.
Com o dólar desvalorizado, a participação das exportações caiu em relação às receitas totais da Agrale em reais. Na comparação entre os nove primeiros meses deste ano com igual período de 2008, a fatia passou de 19% para 12%. Segundo Crosa, de janeiro a dezembro o faturamento bruto da empresa deve apresentar algum recuo ante os R$ 830 milhões de 2008, mas o valor deve superar os R$ 530 milhões de 2007.
A Randon, fabricante de autopeças, reboques e semirreboques rodoviários e veículos especiais, está realinhando preços “onde é possível”, relata o diretor corporativo de relações com investidores, Astor Schmitt. Ele não revela índices, mas informa que o movimento ocorre nos mercados latino-americanos e da África, que apresentam sinais mais fortes de recuperação da economia após a crise. Nas vendas para Europa e América do Norte, os repasses são mais difíceis.
O grupo também decidiu retomar o estímulo à importação de matérias-primas e componentes, afirma Schmitt. No início do ano, a Randon previa importações totais de US$ 70 milhões, mas em função do impacto da crise a projeção foi revista em agosto para US$ 50 milhões. Já as estimativas para as exportações caíram de US$ 240 milhões para US$ 170 milhões.
Além das medidas comerciais, a empresa recorre a instrumentos financeiros derivativos para proteger as margens. “Mas sem exageros nem movimentos especulativos”, assegura Schmitt. De acordo com ele, as linhas de financiamento pré-embarque (Exim) do BNDES, com prazo de três anos e taxas de 4,5% ao ano, também estão contribuindo para manter o fluxo da exportação.
A paranaense Neodent, uma das maiores fabricantes de implantes dentários e componentes protéticos do Brasil, e que obtém 5% das receitas com exportação, está compensando o câmbio com “hedge” natural. O presidente da empresa, Geninho Thomé, explica os dois benefícios: a matéria-prima é importada (titânio e zircônia) e ficou mais barata; e como a Neodent fez compras parceladas de máquinas e efetua o pagamento em dólar, o valor das prestações está menor. “Conseguimos equilibrar”, diz ele.
Thomé tem filial em Portugal e planeja abrir outras duas unidades no exterior em 2010, nos Estados Unidos e no México. A meta é obter 10% do faturamento com exportações. A Neodent faz previsão de estoque anual e os embarques são divididos em três vezes. “Quando o dólar cai, antecipamos o embarque da matéria-prima e também o pagamento das parcelas das máquinas”, conta.
Na Compensados Repinho, de Guarapuava, centro-sul do Paraná, o otimismo voltou mesmo com o dólar em baixa. “O preço do produto reagiu em dólar”, explica Fabrício Ishimoto, gerente de exportações. A empresa faz compensados para a construção civil e embalagens e exporta 99% da produção. “Trabalhamos no vermelho um período, mas agora as coisas devem melhorar”, avalia Ishimoto. Segundo ele, a Repinho chegou a fazer pesquisas em outros mercados, como os Estados Unidos, mas percebeu que não “seria oportuno” perder contratos na Europa, seu principal destino. Agora houve reação na demanda e no preço, que subiu 40% nos últimos três meses, diz.