O impasse que paralisa a Organização Mundial do Comércio (OMC) pode estar na direção de ser superado, com a retomada do diálogo entre a Índia e os Estados Unidos sobre segurança alimentar e implementação do acordo de facilitação de comércio, que pode dar impulso de US$ 1 trilhão na economia mundial.
O Valor apurou que o principal negociador comercial da India, J. S. Deepak, se reuniu em Genebra com o vice-chefe do USTR (a representação comercial americana), Michael Punke, para falar sobre condições para Nova Delhi retirar seu veto ao acordo de facilitação de comércio e acomodar a questão de segurança alimentar.
Antes, o representante indiano conversou longamente com o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, que tem acelerado contatos para superar o impasse e, com isso, retomar o resto das negociações para liberalizar o comércio agrícola, industrial e de serviços.
A retomada do diálogo entre Washington e Nova Delhi, que estava totalmente suspenso, abre perspectivas boas. Mas, até pelas reviravoltas indianas e o histórico desses países, importantes negociadores são prudentes e estimam que ainda há um caminho pela frente para um entendimento.
A Índia causou em julho uma situação jamais vista nos 19 anos da OMC: um único país bloqueou um acordo para derrubar burocracia e outros entraves nas aduanas, que foi negociado em 2013 em Bali (Indonésia). A Índia insiste que antes seja achada uma solução para os subsídios destinados à formação de estoques para segurança alimentar.
Em Bali, a Índia tinha pedido prazo de quatro anos para obter essa solução permanente. Em julho, resolveu que queria uma decisão até o fim do ano, e a partir daí passou a fazer exigências que, na visão de parceiros, representava carta branca para dar subsídios agrícolas, algo que ninguém aceita.
O fato é que a Índia ficou isolada e sob pressão. E a retomada do diálogo com os EUA vem na sequência de duas mensagens vindas de Nova Delhi, esta semana. Primeiro, o primeiro-ministro Narendra Mori convocou uma reunião com ministros para discutir a postura indiana, acusada de paralisar todo o resto das negociações na OMC e causar problemas também para países mais pobres.
Segundo, o ministro de Finanças, Arun Jaitley, que é superior hierárquico do ministro do Comércio, disse num debate em Nova Delhi que a Índia nao tinha nada contra o acordo de facilitação de comércio e que a única coisa que o governo queria era garantir uma solução permanente para a questão de segurança alimentar.
A declaração do ministro sinaliza um claro recuo. Primeiro, a Índia está pedindo agora o que já tinha desde a conferência ministerial da OMC em Bali, em dezembro de 2013. A Índia sabe que os países em geral na OMC reconhecem o direito dos governos de adotar políticas que julguem necessárias para assegurar a segurança alimentar de suas populações. A questão é como definir disciplinas para que isso ocorra sem gerar mais distorções no comércio mundial e sem agravar a insegurança alimentar de outros países.
Segundo, Nova Delhi sabe também que pegou o acordo de facilitação como refém para alavancar sua posição e arrancar mais concessões, causando na verdade irritação nos outros membros da OMC.
A decisão indiana de voltar agora à mesa de discussões com os EUA pode não ser estranho ao movimento de vários países na OMC em busca de alternativa “heterodoxa” para superar o impasse. Pela opção na mesa, sequer seria necessária a aprovação de acordo formal: um grupo de países combina quando cada um assumirá os compromissos do acordo de facilitarão de comércio, sem explicitamente apresentar a medida como acordo formal. Cada participante notifica na OMC um processo unilateral de liberalização, evidentemente sabendo que muitos outros vão fazer o mesmo.
Com isso, pode-se não só romper o impasse como deixar a Índia em dificuldades. É que, a partir disso, os parceiros teriam pouco incentivo para achar a solução permanente que Nova Delhi quer para a sua questão de segurança alimentar.
O Brasil, China e outros emergentes insistem, porém, em esgotar todas as possibilidades de um entendimento no quadro multilateral (com participação de todos). É o que Nova Delhi agora sinaliza que pode fazer, para obter em troca o que já estava garantido desde Bali.