Escuto já há alguns meses a idéia de se usar real e rublo para o comércio bilateral Brasil-Rússia. A Rússia é nosso mais importante cliente de carnes (bovino, suíno e frango) e nos vende fertilizantes minerais. Há outros itens na pauta bilateral, mas fiquemos nesses dois.
O importador russo compraria frango brasileiro em real? Ou em rublo? E o importador brasileiro de fertilizante pagaria em qual das duas moedas? Vamos supor que o importador de frangos pague em rublos; então, o que o exportador brasileiro vai fazer com os rublos recebidos? Ou suponhamos que o russo pague em reais, então ele terá que comprar reais. Por sua vez, os bancos comerciais que venderem rublos ou reais dificilmente aceitarão em troca outra moeda que não dólar (ou euro).
Isso tornaria as trocas bilaterais mais complexas e arriscadas. Não haveria outra forma de fazer isso? Por exemplo, se o Banco do Brasil se instalasse em Moscou e passasse a aceitar rublo em troca de real e vice-versa. E o VTB (banco russo de economia mista que trabalha com comércio exterior) se instalasse no Brasil e passasse a aceitar real em troca de rublo e vice-versa. Para isso, haveria que ter uma cotação direta entre as duas moedas ou, o que considero mais razoável, utilizar o dólar como padrão.
Fórmula alternativa seria o Banco Central brasileiro comprar os rublos dos pagadores russos (pagando em dólar) e remunerar o fornecedor brasileiro em real. E o BC russo fazer operação simétrica. Em comparação com a idéia de utilizar o BB e VTB, o recurso aos BCs poderia apresentar grande diferença: o BC brasileiro constituir reserva em rublo e o BC russo em real.
Restaria ainda a pergunta: isso faz sentido em termos econômicos ou somente políticos enquanto afirmação das respectivas moedas nacionais? No início, talvez seja uma operação que necessite de suporte governamental, mas, à medida que a coisa cresça e se multiplique entre outros países, isso enfraqueceria o dólar enquanto moeda de transações e também de reserva. Ou seja, seria positivo para todos os países, exceto para os EUA, pois este último já não poderia, mediante ampliação unilateral de sua base monetária, empurrar a conta de seus déficits para o resto do mundo pagar.
* Direto de Moscou, o diplomata licenciado Carlos Serapião Jr. comenta fatos da economia global