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STF se aproxima de Rússia, China e Índia

<p>Tribunal brasileiro assinou acordos de cooperação com as cortes supremas dos parceiros no Bric. "Aproximação entre supremos é benéfica".</p>

O Supremo Tribunal Federal (STF) está se aproximando das cortes máximas de Rússia, China e Índia num movimento com o objetivo de garantir, no plano jurídico, a integração econômica entre os países conhecidos como Brics.

Esse movimento foi fortemente intensificado neste ano com a assinatura de acordos de cooperação jurídica entre todos os países. A meta final, segundo o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, é atingir uma convergência de jurisprudências entre as supremas cortes. “Os modelos estão mais próximos do que se imagina”, afirmou. Se a meta for cumprida, os Brics terão parâmetros semelhantes para questões comerciais e a integração econômica será amplamente facilitada. Além disso, os países vão trocar experiências sobre desafios internos, como obras em locais de impacto ambiental.

“Os Brics são uma realidade do ponto de vista econômico e político e esse diálogo é fundamental para questões de direito, como trocas comerciais”, disse o ministro Ricardo Lewandowski. Para ele, a aproximação entre os supremos é benéfica para resolver eventuais disputas no plano internacional. “Se tivermos problemas entre esses países no futuro, teremos interlocutores válidos. Precisamos ter um intercâmbio judicial”, explicou.

Essa tarefa, no entanto, não será fácil, pois há diferenças gritantes na aplicação do direito entre os quatro países. A Índia segue o modelo de direito anglo-saxão, que dá mais valor aos precedentes do que à lei. Na Rússia, o Supremo valoriza mais os códigos do que os precedentes. Na China, há o privilégio da lei, porém, o Supremo não é independente do governo. Já o Brasil segue um modelo híbrido. O STF decide tanto com base nos precedentes quanto pelos códigos e leis.

Em questões polêmicas, como a pena de morte, as diferenças entre os supremos ficam claras. Enquanto o Brasil não prevê a pena capital, na Rússia foi preciso uma declaração do Supremo para torná-la inconstitucional. Na China, a pena é prevista e todos os casos devem passar pelo Supremo.

Outra discrepância está na quantidade de processos em cada país. Os juízes dos supremos que vêm ao Brasil ficam chocados com o recorde brasileiro de 70 milhões de causas em curso no Judiciário. A China, com população mais de dez vezes maior que a brasileira, possui 10 milhões de processos em tramitação. A Índia possui um sistema alternativo de soluções de controvérsias justamente para evitar o inchaço no Judiciário. A Rússia julgou mais de 17 milhões de processos no ano passado.

Mesmo com as diferenças, há questões semelhantes como, por exemplo: qual a melhor decisão a ser tomada quando o Congresso deixa de votar uma lei prevista na Constituição? O Brasil tomou um passo adiante nessa discussão quando passou, em 2007, a definir qual norma será aplicada na falta de lei aprovada pelo Congresso. Isso aconteceu no julgamento da greve no serviço público, em 2007. Na época, o país vivia o caos aéreo e um movimento grevista dos controladores de voo. O STF decidiu que, como o Congresso não aprovou a lei para greves no serviço público, eles deveriam seguir as mesmas regras das greves em empresas privadas. Essa decisão sempre é relatada nos encontros de ministros do STF com representantes de supremos estrangeiros.

As visitas mútuas foram constantes neste ano. A ideia de unir as supremas cortes dos Brics surgiu, em março, na Praça dos Três Poderes, com a ida do presidente do Supremo da Rússia, Viatcheslav Mikhailovitch Lebedev, ao STF. Lebedev assinou um protocolo de entendimentos com Gilmar Mendes. Em maio, Mendes, recebeu o vice-ministro da Justiça da República Popular da China, Hao Chiyong. Em julho, Mendes e o vice-presidente do STF, ministro Cezar Peluso, foram à Rússia para assinar um protocolo de cooperação jurídica com a corte constitucional daquele país. Em setembro, Mendes foi a Pequim e assinou um termo semelhante com os chineses. No mesmo mês, o ministro Lewandowski foi a Nova Déli para firmar outro termo no mesmo sentido com a Corte indiana.

Nos encontros, o que mais chama a atenção dos presidentes de supremos com relação ao Brasil é a transmissão ao vivo das sessões de julgamento. Mesmo em países democráticos, como os Estados Unidos e a Alemanha, muitas decisões são tomadas em salas fechadas, sem qualquer acesso do público.

Na Rússia, o Supremo utiliza a videoconferência para colher depoimentos de pessoas que moram em regiões isoladas, como a Sibéria, em ações penais. Como pelas leis russas o julgamento é anulado se houver qualquer interrupção no sinal durante a videoconferência, o Supremo russo desenvolveu um avançado sistema tecnológico que não permite chiado nas transmissões.

A China também usa televisões, mas para controlar a atividade dos tribunais. A Corte Superior de Pequim possui um Centro de Monitoramento que filma as sessões dos tribunais das províncias para averiguar se estão votando corretamente. Na China, pelo menos um dos juízes em cada tribunal é eleito pelo povo, com apoio do partido. Assim, o Supremo está praticamente submetido ao regime de partido único e não há separação de poderes. O fato de o Brasil possuir um Judiciário formalmente independente do governo chamou muito a atenção dos juízes chineses. Por outro lado, os chineses perceberam que não adianta fazer contratos e não ter onde discuti-los. Daí, a importância crescente do Judiciário naquele país.

Se a China está vivendo o início da judicialização por conta do boom comercial, na Índia, o Supremo trabalha para evitá-la. “A sociedade indiana litiga muito”, constatou o ministro Lewandowski, em visita àquele país. “Por esse motivo, eles criaram um sistema alternativo de soluções de controvérsias.”

Na Índia, o sistema de nomeação foi pensado para evitar a interferência do Executivo no Supremo. Lá, o Supremo faz uma lista dos presidentes de tribunais locais para o presidente escolher um novo ministro para a Corte. Dessa forma, o Supremo indiano só conta com magistrados de carreira.

As visitas a cortes estrangeiras permitem que os ministros do STF busquem alternativas de decisões. Eles observam como outros supremos atuam diante de determinados problemas e passam a considerar soluções adotadas em outros países. Essa prática é proibida em outros países, como a Espanha, onde a citação de decisão estrangeira pelo Supremo é vista como um atentado à soberania. No Brasil é comum o STF citar decisões de outros países pois o direito brasileiro possui inspiração em leis e práticas internacionais, como da Itália, da França e de Portugal.