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Meio Ambiente

Subsídios sujos no ar

<p>Correspondente do Valor Econômico em Genebra fala sobre o acordo que ressalta emissões de carbono.</p>

                                                                                                               Por Assis Moreira (Valor Econômico)

Parece grande o risco de barreiras comerciais concentrarem boa parte das atenções na negociação do clima na Conferência de Copenhague, em dezembro. O principal representante da Organização das Nações Unidas (ONU) na negociação, Yvo de Boer, avisou pela primeira vez, esta semana, que não se pode esperar “um novo acordo em Copenhague” e sim apenas “um esboço político de negociação”.

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, diz que a política comercial não substituirá um acordo em Copenhague. E no meio de ameaças sobre “tarifa-carbono” nas fronteiras, ele alerta sobre instrumentos já em uso que mais parecem subsídios proibidos pelas regras.

A França é o país que mais exige uma tarifa-carbono nas fronteiras da Europa, com discreto apoio da Alemanha. Para o presidente Nicolas Sarkozy, se a negociação de Copenhague fracassar, a Comissão Europeia deve passar a taxar o conteúdo em carbono de uma mercadoria importada, no caso desse conteúdo ser maior do que o equivalente europeu. Os EUA também têm seu plano.

Lamy teve que entrar em cena depois que Sarkozy alegou que até a OMC aprova a tarifa-carbono (diferente da taxa carbono doméstica). Sua resposta à questão sobre se a cobrança de taxa na fronteira é compatível com as regras da OMC nem é sim, nem não. É “depende”. Por exemplo, das modalidades técnicas na sua implementação: como medir corretamente o tamanho do carbono numa mercadoria? Por exemplo, do carbono emitido na produção de um automóvel, com todos seus componentes. Será preciso investigar todos os lugares onde as peças foram produzidas, inclusive nas importações para reexportação.

O que ocorre se um produto importado tem menos intensidade de carbono do que o equivalente do país que aplica taxação na fronteira? Vai dar subvenção à importação, para a empresa estrangeira que produz poluindo menos? “Subvenção à importação é algo que nunca foi desenvolvida na OMC, algo que é genial. Mas é seguro que os países não têm isso na cabeça”, nota Lamy. A tarifa-carbono deve também relançar o debate sobre porque taxar o carbono na produção e não no consumo.

O verdadeiro problema é político, constata Lamy. “Estamos às vésperas de Copenhague, procurando um acordo multilateral sobre redução de carbono, e a preparação diplomática que consiste dizer que se não houver acordo tenho um grande bastão fiscal, não me parece aconselhável”, diz ele. “Não estou seguro de que a China e a Índia, por razões de soberania, vão reduzir sua oposição ao ver um bastão na fronteira. Eu diria quase o contrário.”

Para ele, se houver um acordo multilateral sobre as emissões de carbono, sua implementação será muito menos complicada. Ilustra com o Protocolo de Montreal, um tratado para proteger a camada de ozônio da Terra das emissões de químicos destrutivos. Feito o acordo internacional, os países começaram a reduziu emissões de CFC (clorocarbonos) e teve país que impôs taxa na fronteira e ninguém achou isso anormal.

Lamy enfatiza o que já está ocorrendo hoje. Exemplo: o mecanismo que a União Europeia criou desde 2005 para encorajar as companhias a reduzir suas emissões (European Union’s Emissions Trading Scheme). “Estou surpreso que todo mundo dê atenção à tarifa-carbono, que ainda é uma hipótese, quando o verdadeiro tema, complicado, é como tratar essas autorizações gratuitas de emissões do ponto de vista do acordo de subvenções da OMC”, diz.

A ideia europeia era fazer as empresas pagarem por cada tonelada de carbono emitida na atmosfera. Mas as empresas resistiram e as autorizações têm sido gratuitas. O sistema envolve hoje 12 mil empresas nos 27 Estados-membros: siderúrgicas, centrais elétricas, refinarias, cimenteiras, indústrias de papel, algumas usinas agroalimentares e químicas. Se uma indústria emite menos carbono do que o volume permitido, recebe crédito de carbono que pode vender no mercado.

Para Lamy, essa alocação gratuita, para passar a pílula ecológica entre certos setores, permite questionar “se são ou não subvenções e mesmo em vários casos equivalentes a subvenções à exportação, que pelas regras da OMC estão proibidas”. Para ele, esse é um tema “que curiosamente não interessa a ninguém, quando está na realidade econômica. Se há um verdadeiro lugar para ver o funcionamento (de medidas de redução de emissões) no comércio internacional é aí”.

De fato, há uma contradição entre pretexto de ar limpo e prática de subvenção suja distorcendo a concorrência. Somente em 2008, o setor siderúrgico embolsou mais de US$ 1 bilhão com autorizações de emissões de carbono que não eram necessárias e que vendeu no mercado, segundo dados da própria UE. Companhias europeias têm embolsado bilhões de euros de lucros pelo mecanismo.

Exportadores do Brasil podem acionar a OMC se comprovarem que são prejudicados em terceiros mercados na concorrência com produtos europeus fabricados por companhias que expandem e modernizaram sua produção com esse tipo de subvenção disfarçada.

O mecanismo europeu representa cerca de 75% do comércio global de carbono e valia € 60 bilhões em 2008. Sua próxima fase (2012-2020) incluirá o setor de aviação, altamente poluidor. As quotas de emissão serão colocadas em leilão, mas ninguém acredita que as distribuições gratuitas vão cessar.

A eficácia ecológica do mecanismo europeu é fortemente debatida. Mas os EUA, Japão, Nova Zelândia e Austrália, preparam seus próprios mercados de emissões de carbono, também com uma parte gratuita de autorizações.

Na prática, meta de redução de gases de efeito estufa significa aumento do custo de produção, métodos mais limpos, equipamentos mais sofisticados. E para assumir essas metas, parte de países ricos quer exportar o custo da modernização de sua cadeia produtiva.