Revertendo anos de promessas de acabar com as distorções no setor agrícola, a Europa agora propõe manter intocados seus subsídios ao setor rural por, no mínimo, mais uma década e distribuir a fazendeiros 500 bilhões (cerca de R$ 1,3 trilhão) até 2020. O europeus ainda ameaçam rever as regras para o açúcar, o que pode ferir acordos fechados com o Brasil.
Ontem, a Comissão Europeia anunciou seus planos de reformas da ajuda a fazendeiros que por décadas vêm afetando os interesses brasileiros. A esperança era de que a alta nos preços de alimentos abrisse espaço para que finalmente anunciasse redução na ajuda. Mas isso não ocorreu, irritando a ONU e o governo brasileiro. A reforma, para especialistas e governos, não passa de mudanças “cosméticas”.
Para Brasília, o projeto é claro reflexo de que a onda liberalizante no mundo já foi superada e a ordem hoje é a de proteger mercados e setores ante a crise. O projeto europeu ainda representa um banho de água fria a qualquer esperança do Brasil de que a UE promoveria corte substancial de seus subsídios e reduziria as distorções com o objetivo de fechar a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou acordos regionais.
Segundo Bruxelas, por causa da volatilidade dos mercados, na falta de alguns produtos e até das mudanças climáticas, cortar subsídios não seria a solução. O que a reforma fará, porém, é dar mais atenção a alguns setores e dimensões da produção rural. Mas o discurso ainda é o da necessidade de manter os subsídios aos fazendeiros.
“As próximas décadas serão cruciais para estabelecer a fundação de um setor agrícola forte que possa lidar com as mudanças climáticas e a concorrência internacional. A Europa precisa de seus fazendeiros e os fazendeiros precisam da ajuda da Europa”, afirmou o comissário agrícola da União Europeia (UE), Dacian Ciolos.
A decisão de manter o mesmo volume de subsídios até 2020 seria uma concessão à França, onde o presidente Nicolas Sarkozy já indicou que não aceitará um corte de ajuda ao setor rural, meses antes das eleições de 2012. Hoje, a França é o maior recipiente de ajuda.
Mais justos. A UE, porém, promete tornar os subsídios mais “justos” e “ambientais”. Para isso, propõe que grandes fazendas recebem um máximo de 300 mil por ano em ajuda e apenas “fazendeiros ativos” recebam recursos. Até hoje, donos de campos de golfe e mesmo aeroportos recebem subsídios agrícolas, por terem terras em áreas rurais.
Outra meta da UE é de que 30% dos subsídios diretos sejam condicionados à proteção ambiental. Na prática, isso forçaria produtores a usar terras aráveis de forma sustentável, além de deixar 7% de suas terras para conservação.
Na avaliação do relator da ONU contra a Fome, Olivier de Schutter, a realidade é que, por mais dez anos, os subsídios agrícolas serão mantidos nos níveis atuais. Segundo ele, a ajuda acaba distorcendo preços em todo o mundo e aprofundando a fome em países mais pobres.