O interesse da China e da Arábia Saudita pela compra de terras no Uruguai, para abastecimento direto de alimentos aos países asiáticos, fez o presidente José Mujica dizer basta. Ele encomendou, a três parlamentares da coalizão esquerdista Frente Ampla, um projeto de lei para limitar a venda de terras a estrangeiros.
Nos últimos nove anos, segundo a Associação Rural do Uruguai (ARU), 60% das áreas comercializadas passaram às mãos de estrangeiros – um total de aproximadamente 3,5 milhões de hectares, território superior ao do Estado de Alagoas.
A maioria dessas áreas foi adquirida por empresários brasileiros e, principalmente, argentinos que se dedicaram ao cultivo de cereais e oleaginosas no Uruguai. Também houve uma forte entrada de companhias dedicadas à fabricação de celulose e papel, que compraram terras para o plantio de eucaliptos, sobretudo entre 2005 e 2006.
“Esse tipo de investimento é bem-vindo. O que nos preocupa é o surgimento de empresas ligadas a Estados nacionais, que estão comprando terras para produzir diretamente nas últimas reservas agrícolas disponíveis para alimentar um mundo com 9 bilhões de habitantes”, afirmou ao Valor o senador esquerdista Jorge Saravia, um dos procurados por Mujica para elaborar o projeto de lei. Em última instância, avaliou Saravia, isso consiste na compra de fatias de um Estado por outro Estado.
A preocupação de Mujica tem origem em uma conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em viagem a Montevidéu, no início deste ano, Lula comentou com o colega uruguaio sobre a compra de investidores chineses, tendo o governo como sócio, de terras na região do “Mapito” – a região de divisa tríplice de Maranhão, Piauí e Tocantins. Poucas semanas depois, a demonstração de interesse dos árabes por terras no Uruguai assustou o presidente Mujica, que então decidiu providenciar medidas.
Segundo o senador Saravia, uma proposta de legislação será apresentada nos próximos meses. “Estamos na fase de revisar e comparar as legislações de outros países”, disse. Ele deixou claro que não há motivos de preocupação para os agricultores brasileiros e argentinos instalados no país. “De qualquer forma, é algo que valerá só para frente e preservará contratos.”
“Temos que nos prevenir. Veja o que está acontecendo na África”, exemplificou o presidente do Instituto Nacional de Colonização, espécie de Incra do Uruguai, Andrés Berterreche. De acordo com o funcionário do governo, uma medida que deve dificultar a “estrangeirização” das terras é a volta da vigência da Lei de Sociedades Anônimas.
A lei prevê que somente pessoas físicas podem ser proprietárias de terras, mas está em moratória até maio de 2011 porque “a quantidade de casos excepcionais era tão grande que não se conseguia aplicar efetivamente a lei”. Os próprios fundos e empresas brasileiros e uruguaios podem enfrentar dificuldades, já que o investimento no campo tem sido feito principalmente por meio de pessoas jurídicas.
A ARU, principal entidade do agronegócio no país, diz apoiar as iniciativas estudadas pelo governo “contra a compra de terras, em território uruguaio, por terceiros Estados”. O presidente da associação, José Bonica Henderson, enfatizou ao Valor, porém, que “não é necessário nenhum tipo de medida discriminatória entre investidores privados nacionais ou estrangeiros”.
Para ele, a aquisição de terras por estrangeiros – sempre que não for diretamente por Estados nacionais – aumenta os níveis de investimento no campo e estimula a inovação, a produtividade e a demanda por mão de obra, especialmente qualificada, no setor.