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Manejo

A água que falta e a água que exportamos

Pesquisador da Embrapa Suínos e Aves aborda consumo de água e tragédias hídricas brasileiras. Leia artigo.

-Leia a seguir artigo de Julio Cesar Pascale Palhares, pesquisador da Embrapa Suínos e Aves – Núcleo de Meio Ambiente.

Nos últimos dias o país está atravessando duas tragédias hídricas. As inundações no Nordeste e Norte do país e a seca em algumas regiões do Sul. Nada mais natural para um país de dimensões continentais, suscetível a diversas intempéries climáticas. Nada mais natural para um planeta que coleciona dívidas ambientais e toda dívida, um dia é cobrada!

   No caso da região Sul, uma questão chama a atenção. As regiões que mais sofrem com a seca tem seu perfil econômico baseado nas atividades agropecuárias. Estas são grandes demandantes de água em quantidade e qualidade. Estima-se que no Brasil a demanda hídrica dessas atividades equivale a 70% do consumo do país.

   Basicamente, estas atividades consomem águas superficiais e subterrâneas, águas disponíveis nos solos e a devolvem na forma de evaporação, transpiração e esgotos. Avaliando este ciclo hídrico podemos calcular a pegada hídrica de cada produto e a água virtual presente neste. Estes conceitos surgiram no final do século XX e hoje são utilizados como instrumentos de gestão dos recursos hídricos seja por um indivíduo, região nação ou empresa.

   A pegada hídrica média no mundo é 1.243 m3/pessoa/ano. No Brasil a média é 1.381 m3/pessoa/ano, Japão 1.153, Argentina 1.404, Estados Unidos 2.483, Federação Russa 1.858. Vários fatores contribuem para o aumento da pegada, o que é negativo do ponto de vista ambiental. Elevada produção agropecuária e uso ineficiente da água são dois deles, presentes nas regiões que hoje sofrem com a seca.

   A elevada pegada hídrica está relacionada à exportação de água. A chamada água virtual. A exportação de água de um país ou região é o volume de água associada à exportação de produtos ou serviços a partir do país ou região. Ou seja, quando produzimos um quilograma de milho ou de carne e exportamos estes produtos para outros Estados e/ou países, consumimos e água do local, mas os produtos originários deste consumo não são consumidos no local, mas sim por outros. Quando eles compram grãos, carnes e leite estão usando sem custo algum a água necessária para produzir todos esses produtos e que é de extrema qualidade.

   Estudos internacionais demonstram que a produção vegetal que mais consome água é o arroz, seguido do trigo. O milho ocupa a terceira posição, consumindo 900 L/kg de grão. No caso da pecuária os maiores consumidores são os bovinos de corte, sendo necessários 15.500 L/kg de carne. A carne suína consome 4.800 L/kg de carne e a de frango 3.900 L/kg de carne.

   Tomando como exemplo a região do Meio Oeste Catarinense, que anualmente é atingida pela seca, as produções agropecuárias mais consumidoras de água fazem parte do perfil produtivo da região. Essa é uma realidade curiosa. A região sofre com a escassez, mas é uma das maiores exportadoras de água do país na forma de carnes e leite para outros Estados e países.

   A pergunta é: então não há escassez? Sim, ela existe. E o grande motivo para ela existir é a condição climática, mas se a exportação de água não fosse tão elevada, certamente os efeitos da seca seriam menores.

   Culpados! Sempre queremos achá-los. Mas não é uma questão de culpa e sim de decisão. A sociedade do Meio Oeste, bem como outras, decidiu que teria esse perfil econômico e que supria os mercados internos e externos com seus produtos, ou seja, decidiu ser uma exportadora de água. Decisões podem ser revistas a qualquer tempo.

   Ações podem ser implantadas a fim de reduzir os efeitos da seca. O uso eficiente da água nas criações animais é uma delas. Mas a mais importante é a conservação da água em seus reservatórios naturais, o solo e as matas. Esses dois compartimentos funcionam como esponjas e quanto mais degradados, menor o poder de absorção e mais severos os efeitos da seca.

Julio Cesar Pascale Palhares, DSc,
Pesquisador da Embrapa Suínos e Aves – Núcleo de Meio Ambiente,
Avaliação de Impactos Ambientais e Gestão Ambiental