Redação SI (29/06/06)- Chegaram os tempos em que proteger o meio ambiente rende, literalmente, dividendos. Uma fatia gorda do mercado, que engloba setores da indústria, agricultura, comércio e transporte que consomem combustíveis fósseis, pode se beneficiar dos recursos do Crédito de Carbono estimados em US$ 5 trilhões até 2012. O crédito foi criado pelo Protocolo de Kyoto, assinado por 46 países membros da Organização das Nações Unidas, em 2001, e que visa melhorar o clima do planeta na próxima década.
O crédito viabiliza que países desenvolvidos, que já atingiram ou extrapolaram sua cota de emissão de gases causadores do efeito estufa (GHG), possam adquirir direito de continuar poluindo, ou seja, sem comprometer a produção industrial, ao financiar projetos que reduzam a emissão desses poluentes fora de seu território. Países em desenvolvimento, principalmente os da América Latina, é que vão executar os projetos ecológicos. Especialistas acreditam que o Brasil tem potencial para abocanhar um terço desse novo mercado, que gera dinheiro e incentivo fiscal sem retorno e postos de trabalho.
Desde que o Protocolo entrou em vigor, em fevereiro de 2005, os países desenvolvidos correm contra o tempo para cumprir o tratado que estabelece a redução de emissão de dióxido de carbono (CO2) e outros gases em 12%, até 2012, para equiparar a quantidade emitida em 1990 e fugir de multas bilionárias. “”A poluição atmosférica dessa época é considerada razoável para não interferir na saúde humana e na produção econômica””, situa o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Japão, Roberto Tuyoshi Hosokawa.
Essa alternativa de compensação é chamada de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL), criada, inclusive, pelo professor Hokosawa e apresentada mundialmente, no ano passado, na Universidade de Nagoya, no Japão. Cada tonelada de (GHG) deixada de ser emitida na atmosfera é transformada em créditos, que podem ser comprados pelos países “”necessitados”” e que devem ser exclusivamente aplicados em projetos para reduzir a emissão de CO2 de forma sustentável.
“”A moeda de comercialização do mercado de carbono é a tonelada equivalente de CO2. Existem bolsas de valores do comércio internacional que fazem a cotação. A redução de cada tonelada custa em torno de seis a 12 euros, no momento””, informa o diretor da Divisão de Tecnologias Sociais, do Instituto de Tecnologias do Paraná (Tecpar), Alexandre Akira.
Países como a Inglaterra, Austrália, Japão e Rússia vão pagar a conta e o Brasil pode passar a integrar esse grupo depois de 2012. A ONU é quem vai avalizar os projetos e fazer a certificação da redução de emissão de GHG, de acordo com as normas do MDL. “”Já está funcionando no Brasil, mas ainda no mercado paralelo, porque está na fase de estruturação e de divulgação. O Crédito de Carbono não vai resolver o problema do efeito estufa, vai apenas empurrar com a barriga, porque o que se polui na Europa abrange todo o planeta””, esclarece o professor Hosokawa, contando que bancos como o Bradesco e Itaú já estão de olho nesse mercado e sondaram a possibilidade de comprar créditos de carbono, que, provavelmente, serão cada vez mais valorizados.
A possibilidades de aplicação dos créditos
“”Antes do Protocolo de Kyoto, a poluição era só dor de cabeça para o setor privado, agora virou negócio. Já existem empresas no Paraná que começaram a implantar projetos para reduzir a emissão de gases poluentes. Tem uma que trocou o combustível das caldeiras por bagaço de cana com esse objetivo””, informa o biólogo Roberto Akira, gerente da Divisão de Tecnologias Sociais do Instituto de Tecnologias do Paraná (Tecpar) órgão que está em fase final de credenciamento junto a ONU para ser um certificador dos projetos de MDL.
É o próprio especialista quem cita outras possibilidades de aplicação de créditos de carbono, como em aterros de resíduos sólidos. “”Não é a mesma coisa que lixão. O aterro tem um controle ambiental mais rigoroso e dispõe de uma manta que permeabiliza e não deixa o chorume contaminar o solo, nem o lençol freático””, explica Akira, dizendo que no panorama brasileiro, a degradação do lixo ocorre nos aterros sanitários sem a presença do oxigênio, produzindo o gás metano, um agente altamente causador do efeito estufa o metano é 21 vezes mais poluente do que o CO2.
De acordo com ele, existe um sistema de coleta e queima de gases poluentes produzidos nos aterros, evitando que sejam liberados para a atmofesra. “”Se o dono do projeto comprova a coleta dos gases e sua posterior queima, ele pode estar solicitando os créditos””, ensina.
Outra possibilidade seria o tratamento de dejetos animais através de biodigestores, um sistema fechado, feito de lona, aço ou alvenaria, que coleta e queima gases poluentes. O biodigestor impede a entrada de bactérias que se desenvolvem com a ausência do oxigênio e a posterior metabolização dos dejetos animais.
A atividade da suinocultura é considerada pelo Instituto Ambiental do Paraná um dos dois problemas ambientais mais sérios da região oeste do Estado. da forma como é praticada gera grande volume de dejetos num ponto concentrado, o que compromete a qualidade da água já que escorre para os rios, lagos e lençol freático e produz gás metano, como consequência da forma que é armazenado. “”Se implantar um biodigestor, estará deixando de eliminar o gás metano e ainda o óxido nitroso, sendo este último 310 vezes mais causador do efeito estufa do que o CO2″”, acrescenta Akira.
No entanto, o biodigestor sozinho não tem 100% de eficiência. “”Vai diminuir bastante a carga de poluição, mas se o produtor deseja ficar em dia com os órgãos ambientais deve buscar uma complementação ao tratamento do biodigestor””, alerta. O biólogo destaca ainda os clorofluorocarbonos (CFCs), gases que chegam até ser 10 mil vezes mais poluentes do que o CO2. “”Os CFCs estão envolvidos na produção de geladeira, ar condicionado e alguns tipos de sprays. A maioria das indústrias não os utilizam mais, porque se trata de um gás refrigerante duplamente perigoso, causa o problema na camada de ozônio e aumenta incidência de câncer. Mas ainda são utilizados””, conta Akira.
Aquisição de créditos requer processo criterioso
Para que seja considerado elegível, o projeto de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) deve passar por diversas etapas ou certificações, segundo Guilherme Fagundes, chefe do Departamento de Projetos Especiais da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F). Antes de tudo, o projeto deve utilizar uma metodologia que seja aprovada pela Oranização das Nações Unidas (ONU), que seria uma forma de mensurar como um projeto reduzirá efetivamente o nível de emissão de gases provocadores do efeito estufa.
O próximo passo seria construir cenários, para calcular a quantidade de créditos que o projeto vai gerar. “”Depois deve-se aplicar essa matemática ao projeto, para só então contratar uma entidade validadora, reconhecida pelo conselho executivo do MDL da ONU, para afirmar se o projeto atende aos princípios””, detalha Fagundes. Ele informa existir no Brasil cinco entidades validadoras e certificadoras autorizadas pela ONU, todas estrangeiras: DNV, TUV SUD, TUV NORD, SGS, DVQI.
Depois de validado, o projeto é submetido a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, cujo coordenador é o Ministério de Ciências e Tecnologia. “”A comissão vai verificar se atende aos critérios de sustentabilidade do Brasil. Caso aprovado, o projeto é submetido a ONU e só depois do registro é que passa a ser reconhecido no âmbito do MDL. Até essa etapa são apenas validações para provar se é elegível ou não””, esclarece Fagundes, dizendo que em alguns casos, a solicitação dos créditos acontece depois que o projeto foi implantado.
Com o projeto já implantado, o dono vai fazer o monitoramento para mensurar o nível de emissão de gases causadores do efeito estufa e verificar se a projeção se constatou. “”Por último, se faz um relatório do monitoramento e contrate-se uma certificadora para comprovar que o documento está certo. Só então envia o relatório para a ONU que verifica, certifica e emite os créditos””, finaliza Fagundes.