Grandes redes varejistas e frigoríficos deram esta semana mais um passo em direção à produção sustentável de carne bovina, em uma iniciativa que partiu da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
A entidade apresentou, em evento realizado em São Paulo, o Programa Abras de Certificação de Produção Responsável na Cadeia Bovina. Em linhas gerais, os supermercados que aderirem ao programa se comprometem a não comprar produtos de frigoríficos que comprarem carne de pecuaristas que não adotarem boas práticas ambientais e sociais.
Para garantir que os requisitos básicos do programa estão sendo atendidos, os frigoríficos terão de contratar empresas certificadoras pré-selecionadas pela Abras. Esse trabalho de certificação garantirá aos produtos uma espécie de selo comprovando a prática sustentável no processo produtivo, o Certificado de Produção Responsável na Cadeia Bovina, que deverá ser usado na embalagem da carne exposta aos consumidores. A Abras promete divulgar o programa por meio de ações de comunicação nos pontos-de-venda.
As três maiores redes varejistas do País (Pão de Açúcar, Carrefour e Wal-Mart) já assinaram o acordo, além de varejistas de médio porte. “Somente essas três redes representam de 45% a 47% do mercado total. Esperamos, ainda para este mês, 50% de adesão e acreditamos ser possível chegar a 60% no início de 2010”, afirmou o presidente da Abras, Sussumu Honda.
A lista preliminar de frigoríficos signatários inclui JBS Friboi, Marfrig Alimentos, Bertin e Minerva, entre outros. A Abras não encontrou desafios para convencer as grandes empresas a aderir ao pacto, uma vez que esses frigoríficos já adotam práticas mais rígidas no aspecto ambiental, a fim de viabilizar o acesso ao mercado externo. Frigoríficos de menor porte, no entanto, ainda discutem com a Abras a possibilidade de flexibilidade do programa. “Vamos ouvir a cadeia produtiva e veremos como podemos adaptar o programa. Ajustes podem ser feitos ao longo do processo”, disse o presidente da Abras, que espera mais adesões também de frigoríficos.
Nos bastidores, a principal reclamação se dá em torno dos custos ligados ao programa, pois os frigoríficos arcam, sozinhos, com o pagamento às empresas contratadas para fazer a certificação. Honda afirma, no entanto, que o programa não implicará em aumento de preço da carne bovina para o consumidor. “O impacto no preço é praticamente inexistente”, disse.
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, afirmou que não sabe qual será o custo do programa para os frigoríficos, mas confia na adesão de toda a cadeia. “Se você tem de um mesmo lado o consumidor consciente e o elo final dessa cadeia, que são os supermercados, os frigoríficos que não se adequarem ficarão fora do mercado”, disse Minc, lembrando que no acordo semelhante assinado por produtores de soja contra o desmatamento ilegal, em 2006, muitos também se recusaram no início. “Mas o programa foi um sucesso. O pacto foi cumprido em 97% dos casos e a soja deixou de ser um fator relevante para o desmatamento da Amazônia”, afirmou.
Quanto aos pecuaristas que alegam a possibilidade de formação de cartel a partir dessa iniciativa, já que os supermercados só podem comprar carne de frigoríficos que assinarem o acordo, Minc disse considerar “normal” que apareçam reclamações. “Sempre quando algum novo procedimento é posto em marcha, os setores mais atrasados, que não querem investir na modernização, costumam reagir. Acho que isso é normal. Mas se eles não entrarem na legalidade, não vão colocar a carne nos supermercados”, declarou o ministro, que também esteve presente no evento.
A Abras trabalha no programa de certificação para a carne bovina desde junho deste ano, quando surgiram denúncias do Greenpeace e do Ministério Público sobre desmatamento no Bioma Amazônico provocado pelo avanço da pecuária. Os itens que serão avaliados para a obtenção do certificado da Abras, no entanto, já são requisitados por diferentes órgãos, como o Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Trabalho e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). “Não criamos nenhum requisito, compilamos as exigências que já existem”, explicou Honda.
A pontuação que os frigoríficos terão a partir do processo de avaliação poderá evoluir a partir do primeiro ano de implantação do programa, ou seja, o nível de exigência das práticas sustentáveis aumentará ao longo do tempo. “Mas os requisitos críticos terão de ser cumpridos de imediato, como o uso de trabalho infantil ou escravo ou ocorrência de desmatamento ilegal a partir de 31 de julho de 2009 (data em que a Abras e os principais frigoríficos assinaram um termo de compromisso)”, afirmou o superintendente da Abras, Tiaraju Pires.
A Abras também assinou acordo de cooperação com o Ministério do Meio Ambiente, Anvisa, Ministério Público do Pará e deve assinar em breve com o Ministério da Agricultura.