Redação AI (07/04/06) – O Globo Rural foi conferir como a maior granja da região de Minas Gerais consegue alimentar todos os dias milhões de galinhas. São os desafios e problemas da produção em escala industrial.
Encravada nas montanhas verdes da Mantiqueira, a super granja de Itanhandu chama atenção pelo tamanho e pela quantidade de construções. Lembra até uma cidade. Aliás, uma metrópole com quatro milhões de moradoras.
Nos galpões de produção, as galinhas vivem pra comer, beber e botar. Pra que não falte ração, nem água, pra recolher os ovos, pra que tudo dê certo, a granja conta com tecnologia de ponta e trabalho sincronizado de muita gente.
Os galpões de produção são tão altos que lembram edifícios de apartamento. São seis andares de gaiolas lotadas de galinhas. Com essa altura, com o adensamento dos corredores, cada galpão desses abriga uma população de cem mil aves.
Essa lotação só é possível pela organização do espaço. Veja só: diferentemente do galpão tradicional, as gaiolas ficam realmente empilhadas, umas sobre as outras. A alta densidade do galpão reduz custos e aumenta a produtividade. Cada gaiola comporta até dez aves adultas.
E aí vem o primeiro problema: num modelo tão intensivo de produção, muitas poedeiras não agüentam o tranco. “As galinhas ficam dois anos na produção, depois a gente vende para o abate. A mortalidade, em toda a vida da ave, gira em torno de oito por cento. Uma das causas mais comuns é o tamanho do ovo, que a galinha se esforça para botar. Nossa mortalidade ontem foi de 620 aves. Isso é normal”, informa o veterinário Eduardo Scarpa.
As galinhas que morrem não podem ficar nas gaiolas. Para retirar as aves mortas dos andares de cima, o pessoal da granja usa um quadriciclo. Parece coisa de circo. Pedalando, lá no alto, o funcionário procura com cuidado, dentro de cada gaiola.
A retirada das galinhas é o único trabalho humano neste galpão. No resto, o manejo é automático. Como na recria, o galpão conta com equipamentos para distribuir ração, para regular temperatura, esteiras pra recolher esterco.
As galinhas produzem diariamente nada menos do que 246 toneladas estrume. E aí você pergunta: o que fazer com tanto esterco? “A gente tinha problema, porque a gente dava o esterco molhado. Isso criava um transtorno porque dava mau cheiro, dava mosca. A gente tinha vergonha, porque a gente não queria incomodar. Nós fomos muito visitados pelos órgãos ambientais, tivemos autuações, mas resolvemos todos os problemas”, conta o proprietário Leandro Pinto.
Solução encontrada pela granja: a compostagem. Em galpões, máquinas pesadas misturam esterco com serragem e bagaço de cana. Pra que o material fique bem homogêneo entra em cena um equipamento japonês. Descansando, o composto orgânico fica pronto em 28 dias. O produto praticamente não tem cheiro e pode ser vendido como adubo. “Hoje esterco é fonte de renda. Cinco por cento do faturamento nosso hoje é o lixo. É o que a gente dava”.
A mesma virada de jogo deu certo com as galinhas mortas. A granja começou a aproveitar as carcaças numa outra receita de compostagem, que leva o composto de esterco e serragem. “Todo o dia as aves que morrem na granja são levadas para a compostagem. Esse sistema não dá cheiro, não dá mosca, a decomposição é excelente e em 70 dias vira fertilizante. A galinha morta também é fonte de renda”.
A granja conta com doze carretas pra transportar composto orgânico. Os principais compradores são produtores de café, frutas e grãos. Seu Mário Lemes recebe um carregamento do composto. Ele cultiva milho em Campanha, a 120 quilômetros de Itanhandu. “A máquina esparrama o esterco e deixa a terra pronta para o plantio. A gente faz uma troca com a granja, eu compro composto e pago em milho”.
Pois é: a mesma carreta que sai da granja com composto, volta carregada de alimento pras galinhas. A operação garante o escoamento do esterco e reduz os custos com transporte de grãos. No pátio da granja, o movimento de carretas não pára. Na entrada ou na saída, os veículos recebem ducha desinfetante, pra evitar a disseminação de doenças. Aliás, cuidado sanitário é coisa séria. Funcionário só trabalha de uniforme e gente de fora não entra.
Com bom abastecimento de grãos, comida não falta. As poedeiras devoram diariamente, uma montanha de trezentas e vinte toneladas de ração. “À noite nós temos a iluminação artificial que a galinha depende para que sua performance seja melhor e temos alimentação. Noventa por cento das aves, no entanto, colocam ovos de nove da manhã até as 14 horas”.
Durante o pico da vida produtiva, cada galinha chega a botar um ovo por dia. Com uma leve inclinação no piso das gaiolas, os ovos rolam delicadamente até uma primeira esteira.
Saindo dos galpões, os ovos caem todos em esteiras conhecidas como ovodutos. São estruturas gigantescas que atravessam toda a área de produção. Ao todo a granja conta com quatro quilômetros de ovodutos.
Coberto em alguns trechos, descoberto em outros, a cada galpão que passa o ovoduto sai mais carregado. Vai subindo, vai descendo, até chegar ao destino final. O setor de classificação e embalagem da granja é conhecido pelos funcionários como sala de ovo.
Logo que entra, a produção passa uma primeira triagem, como explica Ivone dos Santos. “Eu classifico, tiro trincados. Passo a mão para sentir o que está trincado ou não.”
Os ovos com trinca leve são vendidos pra indústrias de alimentos. Já o restante da produção é conduzido pra um equipamento, que veio dos Estados Unidos. Os ovos recebem ducha com água quente, passam por secagem e entram na segunda bateria de seleção. “Tem uma luz inversa que mostra transparência, ela nos mostra a gema, a clara, a câmara de ar, a casca e possíveis anomalias que existam no ovo. Depois o ovo é vibrado pela máquina. O som da vibração é capitado pelo computador comparado com o som original de um ovo íntegro e aí a máquina diz se a uma minotrinca no ovo. Se houver uma trinca a própria máquina dá um destino diferenciado para o ovo”.
Em seguida, o equipamento separa os ovos por peso e encaminha a produção pra diversos tipos de embalagem. Na etapa final, os funcionários da granja preparam as caixas pra venda.
Os maiores compradores destes ovos são indústrias e mercados de São Paulo e Rio. As doze granjas da Mantiqueira injetam por ano 135 milhões de reais na economia da região. O pólo de ovos movimenta transportadoras, indústrias, comércio. Gera mil empregos diretos e três mil indiretos. Uma fábrica produz caixas de ovos e está ampliando as instalações. “Foram contratadas mais oitenta pessoas só pro setor de ovos”.
O dinheiro do ovo também movimenta as lojas de produtos veterinários. “A partir do momento que o pólo de aves começou a pegar força, o nosso faturamento cresceu de 35 a 40%, mas ele cresceu de duas maneiras, com a venda direta para os granjeiros e para o mercado dos funcionários das granjas, que querem ter criação em casa”, diz o comerciante Lucas Freitas.
A família Santos é prova disso. Nela todo mundo trocou trabalho na agricultura, por emprego em granja. O Sílvio, do quadriciclo, a mulher dele, Ivone, que trabalha na seleção de ovos, o cunhado José David, e os irmãos Valter, José e Carlos. “Eu mexia com lavoura e agricultura, em terra arrendada”.
Nessa região um funcionário de granja tem salário médio de 600 reais. “Melhorou bastante, a gente mudou de carro, compramos mais coisas”.
E o que dizem os donos de granja? Para Leandro Pinto o segredo do negócio é a escala. “O custo pra produzir um ovo varia, mas está na faixa de 8 centavos a unidade e a gente vende 10 centavos a unidade. Eu costumo dizer que o lucro do ovo é na terceira casa depois da vírgula, então é preferível ter uma fatia pequena de um bolo grande do que uma fatia grande de um bolo pequeno”.
O processo de mecanização de granjas não ocorre apenas nessa região Serra da Mantiqueira. Aumentar escala e reduzir custos é uma tendência geral do setor.
Matéria apresentada no Globo Rural na data de 02/04/06.