Depois de quase dez anos da publicação, pelo Ministério da Agricultura (Mapa), da Instrução Normativa nº 3, que regulamenta o abate humanitário de animais de produção, o tema bem-estar animal volta a ganhar força com um programa inédito de capacitação de frigoríficos e fiscais agropecuários federais ligados à indústria. A iniciativa é do Programa Nacional de Abate Humanitário (Steps), lançado recentemente pela Sociedade Mundial de Proteção Animal (WSPA) e pelo Mapa, que pretende reciclar boas práticas de produção nas fases pré-abate e abate e, com isso, elevar a qualidade da carne produzida no País.
O programa tem financiamento para cinco anos e a capacitação levará em conta critérios comerciais e legislativos referentes a bem-estar animal, do transporte até o frigorífico, passando pelo desembarque na indústria, manejo e descanso nos currais e insensibilização para o abate. A meta é capacitar este ano profissionais de 170 frigoríficos de Santa Catarina; depois, o projeto se estenderá para São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. “A participação da indústria é voluntária e a ideia é que o fiscal capacitado seja um multiplicador do treinamento”, diz a coordenadora do Steps, Charli Ludtke.
O curso é dado por veterinários e zootecnistas e dura dois dias. O material didático inclui DVDs, apostilas e manuais, elaborados sob orientação de consultoria inglesa especializada em bem-estar animal. As filmagens foram feitas nos melhores frigoríficos do País. “O material foi baseado em boas práticas, aceitas no mundo todo.”
O curso aborda, para suínos, aves e bovinos, itens como comportamento animal, qualidade da carne, transporte, manejo, contenção e formas de insensibilização. É proibido, por exemplo, usar marretas para insensibilizar bovinos. A técnica mais moderna usa uma pistola pneumática que deixa o animal inconsciente instantaneamente. Na condução de animais, bandeiras substituem choques elétricos. “No abate humanitário, o animal é contido individualmente, para facilitar a insensibilização. O ideal é que de cem animais atordoados, 95% sejam insensibilizados na primeira tentativa”, diz o zootecnista Murilo Henrique Quintiliano, consultor de projetos do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (Grupo Etco), ligado à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Unesp de Jaboticabal. “É traçado um xis entre a base do chifre e os olhos e o tiro tem de acertar no meio. O funcionário deve ser muito bem treinado.” No caso de aves e suínos, o atordoamento é feito com choque elétrico na cabeça ou em câmaras de gás carbônico.
“A proposta é minimizar o sofrimento dos animais e garantir a qualidade do produto final”, diz Charli. Ela explica que as situações de stress a que os animais são submetidos durante o manejo causam alterações na carne. “A carne bovina fica escura, firme e seca. As carnes suína e de frango ficam pálidas, moles e soltam muita água.”
Mercado
Hoje, a União Europeia é o mercado mais exigente no que diz respeito ao bem-estar animal – em 2012 passam a vigorar no bloco normas que deverão ser cumpridas por países exportadores. “Para a UE, o Brasil está agindo de forma proativa”, diz a fiscal federal agropecuária Andrea Parrilla, coordenadora da Comissão Técnica de Bem-Estar Animal do Mapa. “Os europeus estão dispostos a pagar para quem produz privilegiando o bem-estar animal”, diz o diretor da WSPA Brasil, Antonio Augusto Silva. “O Steps vai beneficiar toda a cadeia produtiva. Com padrões mais elevados de bem-estar animal, haverá menos perdas e mais oportunidades de mercado”, avalia Charli.