Diversos projetos relacionados à geração de energia por meio de dejetos de suínos e de aves já foram discutidos em Santa Catarina, mas poucos saíram do papel. Um dos mais relevantes, o da empresa americana ContourGlobal, que pretendia investir US$ 280 milhões e construir quatro usinas de biomassa, cuja matéria-prima seria a cama aviária (local de absorção do dejeto das aves), e uma usina de biogás a partir de esterco suíno, foi adiado, informou Paulo Meller, presidente da Celesc Geração, que seria parceiro do projeto.
“Não falamos com a empresa há sete meses. O projeto não foi sepultado de vez, porque voltaremos a conversar sobre isso no fim deste ano, mas está parado no momento”, comenta Meller. Segundo ele, a ContourGlobal já indicou que sua intenção, depois do estouro da crise econômica mundial em setembro, seria dar prioridade às obras em andamento no Brasil em vez de entrar em novos projetos.
A empresa americana iniciaria o projeto em 2008. Já havia escolhido os municípios para os investimentos. Presidente Castelo Branco e Arabutã abrigariam as usinas de dejeto de aves, com 30 MW cada. Já a usina de biogás a partir de esterco suíno teria 10 MW e seria instalada em Braço do Norte.
Meller afirma que também contribuiu para jogar água nos planos o fato de a Celesc não ter sido bem-sucedida no leilão de energia A-3, no fim do ano passado – a oferta da empresa foi superada pelos concorrentes que gerariam energia a partir de outra fonte: bagaço de cana. “Os concorrentes tiveram melhor preço. A energia a partir da cama aviária é uma tecnologia nova, não é tão competitiva”. A CountourGlobal possui um escritório em São Paulo. A empresa foi procurada pela reportagem, mas não retornou o contato.
Segundo Meller, há outros projetos em estudo com esterco de aves em Santa Catarina, mas ainda não há nada concreto. O diretor do Sindicarnes-SC, Ricardo Gouvêa, diz que quatro empresas têm feito reuniões com o sindicato interessadas em usar a cama aviária. Ele não é contrário às iniciativas, mas afirma que as agroindústrias temem que isso possa afetar o atual sistema de integração na produção de aves.
Hoje, os produtores de aves recebem os pintos das agroindústrias para engorda. Os investimentos no aviário são do próprio produtor, o que inclui a cama aviária, podendo, portanto, comercializá-la. O preço pago pelas agroindústrias ao avicultor, contudo, varia de acordo com custos e produtividade. Para Gouvêa, há dois riscos. Um deles é o de as usinas também passarem a disputar o insumo usado nas camas aviárias (maravalha/lascas de madeira) com os produtores para compor a geração de energia, quando não houver dejetos suficientes. Isso faria o preço subir, podendo ampliar os custos de produção da ave. O outro seria o risco sanitário, relacionado ao transporte das camas aviárias usadas pelas regiões do Estado.
Embora as discussões mais recentes ocorram em torno das aves, há algumas iniciativas já em operação na suinocultura, ainda que de forma restrita. O presidente da Coopercentral Aurora, Mário Lanznaster, possui há três anos um projeto de geração de energia através de biodigestores a partir do uso de dejetos suínos na Granja Master. Esse desenvolvimento consumiu R$ 250 mil em investimentos próprios e ocorreu mais por seu interesse pessoal por inovação do que por lucratividade. Nas suas estimativas, Lanznaster acredita que os recursos aplicados só serão recuperados dentro de 15 a 20 anos.
“Eu estou metendo a cara, mas devagar”, diz. Para Lanznaster, a geração por esterco ainda não se desenvolveu no País por falta de interesse do governo. “Não há linhas de financiamento específicas para isso. Para obter linhas normais, você precisa comprovar lucratividade. Mas como comprovar lucratividade de algo que é ainda tão novo no País?”
A geração própria de energia serviu para reduzir em 70% o consumo que tinha da Celesc. O projeto foi feito em parceria com a empresa local Geter, que desenvolveu a estrutura. A produção da Master é certificada pela Agecert e gera créditos de carbono. Lanznaster ganha parte do que é comercializado. “São poucos recursos”, disse ele, sem revelar valores.
Já a Sadia tem biodigestores instalados em mil granjas em Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas e Mato Grosso, tendo investido R$ 90 milhões, em parte financiados pelo BNDES. O programa Suinocultura Sustentável Sadia, além de reduzir as emissões de gases do efeito estufa, aposta na comercialização de créditos de carbono, usando o mecanismo de desenvolvimento limpo. Por enquanto, contudo, está em fase de registro. Assim que concretizado, segundo a assessoria da empresa, o programa se tornará apto a coletar e armazenar os dados dos sistemas instalados no campo para recebimento dos créditos.
A Eletrosul iniciou o programa sócio-ambiental Alto Uruguai, que prevê a colocação de 35 biodigestores em propriedades no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina até o fim de outubro. Jorge Alves, gerente de P&D da empresa, diz que só nos biodigestores serão investidos R$ 2 milhões. A estatal doará os equipamentos aos produtores, não ganhando com a comercialização da futura energia. “Para os produtores, essa energia pode suprir toda a propriedade, mas para a Eletrosul seria muito pequena, não se viabiliza enquanto negócio. O intuito é fomentar o debate”.