Redação (14/08/2008)- Penso que a universidade não tem direito de ficar guardando a informação. Tem que colocar essa informação a disposição do usuário, principalmente para aquele que não tem uma formação técnica muito apurada e que se possa passar para um linguajar simples”. Esse é um dos fatores apontados como justificativa para o mais recente livro “Manejo Tecnológico da Secagem e do Armazenamento de Grãos”, do Professor Titular da Universidade Federal de Pelotas, Dr. Moacir Cardoso Elias.
Para o especialista, o Brasil é um país que tem dimensões continentais, variações climáticas e culturais, com excelente potencial agrícola e que tem desenvolvido muito a capacidade de produção, mas, perde muito produto depois de colhido, tanto em qualidade, quanto em quantidade. Talvez essa seja a melhor justificativa para a publicação, além de questões acadêmicas, científicas e tecnológicas. “O mundo científico precisa de fontes de consulta. Assim, tenho a pretensão de que as pessoas lendo, concordem ou não com o que está escrito, passem a referência”, completa Elias.
Com lançamento previsto durante a Expointer 2008, que acontece de 30 de agosto a 7 de setembro, em Esteio (RS), o livro tem dois grandes enfoques. O Manejo Tecnológico aborda as propriedades dos grãos, aspectos científicos e aspectos operacionais. A segunda parte destaca a legislação, tanto da armazenagem como da segurança do trabalho em unidades de armazenamento e até no sistema de controle e preservação ambiental.
A partir de janeiro de 2009 entra em vigor a lei de armazenamento, onde empresas ou pessoas físicas, todos que prestarem serviços para terceiros terão que credenciar sua unidade junto a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Para que a unidade seja certificada, ela terá que passar por um serviço de auditoria e por uma empresa que faça a certificação. O serviço de auditoria é uma atribuição exclusiva de engenheiros agrônomos ou de engenheiros agrícolas que tenham feito curso específico de auditores. O sistema Nacional de armazenagem credenciou até hoje dois Centros no país: o Centro Nacional de Treinamento em Armazenagem (Centreinar), da Universidade Federal de Viçosa (MG) e o Laboratório de Grãos, da Universidade Federal de Pelotas (RS).
A Universidade Federal de Pelotas oferece toda a parte analítica. “A universidade tem um tripé de ação: o ensino, a pesquisa e a extensão. Desenvolvemos conhecimentos e sempre que possível repassamos esse conhecimento. São profissionais que estão cursando pós-doutorado, doutorado, mestrado, que tem um apoio forte e que a gente acaba nesse conjunto atendendo as necessidades das empresas, da cadeia como um todo, especialmente no setor de pós-colheita e armazenamento, qualidade e indústria”. O setor interessado procura a universidade, os especialistas verificam quais são as necessidades e, a partir daí, há uma série de possibilidades. Pode ser feita a parte de análise de conteúdo, de qualidade, entre outros, “trabalhamos com desenvolvimento de patentes dentro do sistema público federal com toda segurança para as empresas”, ressalta Elias.
O trabalho que é realizado tanto no Brasil como também em outros países, está voltado para o setor de pós-colheita – armazenistas, cerealistas, industriais, cooperativas e o produtor que tem armazenamento na propriedade ou que tem interesse em contar com esse tipo de tecnologia na propriedade. “Nós trabalhamos desde secagem, armazenagem, controle de qualidade de produto e industrialização. Já foram realizados treinamentos nas duas universidades e o próximo está previsto para setembro”. Os interessados devem procurar a Universidade Federal de Pelotas. “Já há uma lista de espera e provavelmente haja um terceiro ou quarto curso ainda este ano”, destaca o pesquisador.
Coordenador do Laboratório de Pós-Colheita, Industrialização e Qualidade de Grãos do Departamento de Ciência e Tecnologia Agroindustrial da Faculdade de Agronomia "Eliseu Maciel" de Pelotas (RS) e do Pólo de Inovação Tecnológica em Alimentos da Região Sul e atual representante da Associação Brasileira de Pós-colheita no Comitê Nacional de Armazenagem, Elias possui entre outras, experiência na área de industrialização e parboilização de arroz. De acordo com o especialista, o arroz é um produto de altíssimo valor nutricional para a saúde, faz parte da dieta básica e trata-se da nossa maior fonte de carboidratos na alimentação. “94% a 96% dos brasileiros consomem arroz. O amido de arroz libera energia muito lentamente. Por essa característica, não dá picos glicêmicos e se for parboilizado agrega ainda outras vantagens, como: amido resistente – que atua dentro do organismo como se fosse fibra”.
Para a conservação dessa cultura não há, segundo o especislita, um segredo, mas é necessário tecnologia, conhecimento e organização. O arroz é produzido em um espaço curto, tanto geograficamente (quase dois terços do arroz é produzido no RS e SC. O RS produz mais da metade do arroz nacional), como também em um curto espaço para colheita. Todo produto que tem alto valor nutricional é um produto que se deteriora fácil. Por isso é necessário que se tenha um bom sistema de conservação e estrutura, para receber, secar e armazenar.
Sobre o mercado para a commoditie, explica que os produtores por uma questão cultural, geralmente se preocupam em aumentar o número de hectares produzidos e não instalar silos, secadores e com isso deixam para a indústria fazer essa parte. Dessa forma, como a indústria está recebendo diretamente do produtor, dificilmente no primeiro semestre vai comprar o produto, porque está abastecida. Em síntese: não tem demanda, não tem preço. “Ironicamente, o produtor porque não tem estrutura para secar e armazenar, acaba financiando o baixo preço do arroz no primeiro semestre”. No segundo semestre já começa a diminuir o estoque e iniciam as comercializações, quando as relações de oferta e procura elevam o preço do produto. “Esse é um ano excepcional. Os alimentos de modo geral estão em uma fase de alta de preço, mas o produtor que for bem informado sabe que são ciclos. Então o produtor precisa estar bem assessorado. Se ele não tem formação cientifica adequada, deve contratar pessoas que têm conhecimento. Existem profissionais disponíveis com boa qualidade, tanto na área agronômica, como na área de engenharia, administração, economia. Esse não é um mercado fechado, mas multi comercial, setorial. Acredito que estamos tendo um pouco mais de consciência, pois quando a gente trabalha com arroz, não se trabalha só com negócio, arroz é alimento”.
Elias destaca que o mercado externo deve ser procurado sempre. “O mundo hoje é uma aldeia global. O teu concorrente pode estar na porta do estabelecimento, mas também pode estar lá no oriente”. Os sistemas de exportações, explica, precisam de uma estrutura pró-organizativa. “Ninguém vai conseguir abrir espaço sozinho”, adverte. Nesse processo o apoio de uma estrutura pró-organizativa é muito importante no processo de exportação do produto. Aqui no RS pode-se citar como exemplo, a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), além de órgãos do governo estadual e federal. “O pior resultado que pode acontecer na exportação é não atender ao pedido. Então para exportar é preciso primeiro ter organização suficiente: saber quando vai ter o produto disponível, de boa qualidade, na hora certa. Os preços são uma questão de circunstância, mas temos um mercado interno muito grande e o produtor que investir em qualidade sempre terá lucro”.
O setor de arroz especiais requer um cuidado específico. O arroz integral, por exemplo, quando colhido da natureza, passa pelo processo que retira a casca e separa os grãos quebrados ou manchados, nisso o produto fica exposto à volatilidade. Por ser um grão vivo, tendo oportunidade irá tentar entrar em consumo das reservas que tinha e com isso começa a produzir substancias que tem cheiro forte, gosto forte. As demais formas de arroz, lembra o especialista, são para nichos de mercado e por isso tem um valor agregado muito alto.
“A comercialização desses produtos especiais têm crescido, mas na soma não alcança 5% do arroz brasileiro. É que para nós, arroz é cesta básica. Os vizinhos uruguaios e argentinos têm a dieta de carboidratos muito mais voltada para trigo e nós para arroz e ainda bem, porque hoje estamos aí alcançando a auto-suficiência e eventualmente até ultrapassado um pouquinho, e o trigo nós importamos mais da metade do que consumimos. Para efeito de balança, o arroz pode até contribuir para reduzir os déficits e o trigo tem contribuído para aumentar. Sou favorável ao trigo, nada contra, mas é uma situação diferente tanto em economia popular quanto de economia para o País”.
Hoje o mercado conta com um selo que garante a qualidade do produto, trata-se do Selo ABIAP – Associação Brasileira das Indústrias de Arroz Parboilizado. O Selo de qualidade, prática que os países mais avançados fazem a um certo tempo, analisa o produto e o processo. De acordo com Elias são mais de 30 análises de qualidade de produto que são feitas pelo Laboratório de Grãos da Universidade Federal de Pelotas, atualmente a única instituição que possui a certificação. Os auditores vão às indústrias e fazem a auditoria, entre outras, das condições de fabricação, instalações, tecnologia utilizada, compromisso da empresa com o meio ambiente, saúde e treinamento de seus trabalhadores, também são analisados os direitos trabalhistas dos funcionários. “A empresa que tem o selo de qualidade da ABIAP, produz um arroz de excelente qualidade, porque tem uma boa estrutura”, diz. Apenas 14 indústrias no país possuem o selo.
Para os produtores, o trabalho oferecido pelo Laboratório de Grãos da Universidade Federal de Pelotas é de assessoria, principalmente para os profissionais da assistência técnica, para que tenham a formação mais atualizada possível para auxiliar os produtores. “Passou o tempo em que o produtor e a indústria viviam brigando um com o outro, achando que estavam dividindo espaço”.
Sobre os desafios do setor, o analista diz que tem evoluído de forma gradual, mas com firmeza. Houve uma superação do distanciamento que havia entre a universidade e o profissional que saía desta. Este profissional hoje está abrindo espaço dentro das instituições. “A gente tem consolidado espaço, principalmente fortalecendo as instituições e entidades representativas. Os produtores, industriários, cerealistas na sua entidade de classe tem tido um grau de conscientização um pouco melhor e tem dado apoio para aquele seu porta-voz. Estamos ultrapassando aquela dependência de achar que o governo é que deve fazer tudo, na verdade o governo tem que estabelecer políticas que sirvam para a nação, mas o cidadão/profissional tem o seu compromisso. A lavoura de arroz, talvez porque tenha um sistema melhor organizado se mantém sempre próxima da área científica, tecnológica, operacional e dos produtores”, finaliza.
Moacir Cardoso Elias possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Pelotas (1972), graduação em Licenciatura em Química pela Universidade Federal de Pelotas (1975), mestrado em Tecnologia de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas (1978) e doutorado em Agronomia, área de Ciência e Tecnologia de Sementes pela Universidade Federal de Pelotas (1998). Atualmente é Professor Titular da Universidade Federal de Pelotas. Tem experiência na área de Ciência e Tecnologia de Alimentos, com ênfase em Secagem, Armazenamento, Industrialização e Qualidade de Grãos, atuando principalmente nos seguintes temas: secagem e armazenamento de grãos, industrialização de arroz, industrialização de grãos e derivados, qualidade de grãos, parboilização de arroz e agroindústria de alimentos. É Coordenador do Laboratório de Pós-Colheita, Industrialização e Qualidade de Grãos do Departamento de Ciência e Tecnologia Agroindustrial da Faculdade de Agronomia "Eliseu Maciel" e do Pólo de Inovação Tecnológica em Alimentos da Região Sul. É o Responsável Técnico pelo Selo de Qualidade da ABIAP (Associação Brasileira das Indústrias de Arroz Parboilizado).