Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Entrevista

A briga por terra é ideológica, diz Maggi

Ministro da Agricultura do governo interino diz que reforma agrária é usada como pretexto para disputas políticas

A briga por terra é ideológica, diz Maggi

Eram 9h em ponto, na manhã ensolarada de 6 de julho, quando piou o passarinho do relógio cuco no gabinete do 8º andar do bloco D da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Estava dado o sinal para a entrevista começar. Desde que assumiu a pasta da Agricultura, há pouco mais de dois meses, o produtor rural e senador Blairo Maggi tem dividido seus dias desta maneira:

– Tenho audiências de 30 minutos e de uma hora, dependendo do assunto. Quando o passarinho canta pela segunda vez, encerramos a conversa.

Na parede oposta à sua mesa, onde tem recebido comitivas de todo o país, uma imagem em destaque: a do pai, André Maggi, de quem herdou os olhos claros e um dos maiores conglomerados do agronegócio brasileiro. Morto em 2001, o patriarca da família, natural de Torres, construiu um império no cerrado do Centro-Oeste, o qual rendeu ao filho o título de rei da soja – desbancado mais tarde pelo primo Eraí Maggi.

Com a experiência de quem foi o maior produtor rural do Brasil, governador de Mato Grosso por dois mandatos e senador antes de se tornar ministro da Agricultura, ele não hesita em tratar de assuntos polêmicos – como a demarcação de áreas indígenas, reforma agrária e venda de terras para estrangeiros.

Maggi saiu do Rio Grande do Sul ainda no ventre de sua mãe, dona Lúcia, hoje com 84 anos. Embora nascido no Paraná, foi registrado pelo pai no município gaúcho de Três Cachoeiras, numa tentativa de perpetuação das origens. Deu certo.

O ministro mantém laços com o Rio Grande do Sul mesmo vivendo os 60 anos de sua vida longe do Estado, do chimarrão à paixão pelo Inter. Sem saber o tempo que ficará na Esplanada dos Ministérios, indefinido por conta do governo interino de Michel Temer, quer deixar uma marca: a da eficiência. A mesma que fez o Grupo Amaggi faturar R$ 12,7 bilhões no ano passado, em produção de grãos, trading, energia e operações portuárias. Confira os principais trechos da entrevista, feita em exatamente uma hora:

 

Como o senhor pretende conduzir assuntos polêmicos, como a demarcação de terras indígenas?

O Brasil tem 13% de terras indígenas demarcadas em seu território, contra 8% de terras ocupadas pela agricultura e 19% pela pecuária. Temos mais terras indígenas do que terras que produzem alimentos no Brasil. Então a questão não é de falta de volume de terras para indígenas. O que acontece é que em alguns lugares os índios são incitados, por outros interesses, a arrumarem confusão em áreas já consolidadas. Fui relator de uma PEC no Senado, que agora está na Câmara, que estabelece que quando criada uma nova área indígena, o proprietário deve ser indenizado pelo valor da terra e também pelas benfeitorias. Esse é um jogo claro. Se você quer a terra, leva, mas para isso precisa pagar o que ela vale. O que o agricultor não aceita, e eu também não aceito, é o produtor ser expropriado. Estar em cima de uma propriedade por mais de 50 anos, como está acontecendo no Rio Grande do Sul, e ser retirado da propriedade sem nenhum direito. Isso não existe. Não é o direito de um que vale sobre o direito do outro.

E quanto à reforma agrária?

Com esse volume de terras que o Brasil tem, eu não entendo a briga pela terra. É muito mais ideológico que qualquer outra coisa. Se é preciso fazer um assentamento em uma região, eu não sou contra. Mas temos de fazer dentro da normalidade. O governo deve lançar um edital de compra de terras para assentar um determinado número de famílias, comprar essas áreas pelo valor de mercado e assentar as pessoas. Eu duvido que o governo não consiga comprar mil hectares de terra em qualquer região do país. O que não pode é esse aspecto ideológico do processo, de tentar tirar de quem tem para dar para quem não tem, e ainda não indenizar. Ora, quem tem, trabalhou, construiu para ter algo, e precisa ser respeitado.

O senhor tem defendido a venda de terras para estrangeiros. Podemos esperar alguma medida a curto prazo?

Esse é um assunto que defendo nem tanto pela ocupação física das terras por estrangeiros, mas muito mais por bancos estrangeiros que poderiam irrigar de recursos as nossas atividades, tanto as agroindústrias, o financiamento da produção e investimentos. Mas eles têm reticências em fazer no Brasil porque não podem ter a terra como garantia. Nesse aspecto, a liberação traria mais dinheiro ao setor. As terras para culturas perenes, como cana-de-açúcar, laranja e eucaliptos, não vejo nenhum problema em liberar. Na produção de grãos é que eu tenho um pouco de resistência, ou melhor, preocupação. Porque você pode ter um grande fundo de investidores que pode ter alguns milhões de hectares de terra num país e de repente fazer as contas em um ano e decidir não plantar. E como ficam os outros setores da economia? Transporte, comércio e empregos. No momento em que o presidente abrir essa discussão, levaremos essa preocupação para tentar achar uma forma de mitigar esse risco.

É difícil fazer parte de um governo provisório? Quais as maiores as pressões?

Temos de ter atitude de um governo provisório, sem perder o olhar para o futuro. Mas tem coisas que só serão iniciadas quando esse governo se concretizar. É mais uma questão de foro íntimo das pessoas de entender que estamos aqui, mas ainda não podemos ter um projeto de dois anos, pois o processo pode ser interrompido daqui a 50 ou 40 dias. As chances são pequenas, mas são possíveis. E começar mudanças significativas, que possam não ter continuidade, é um pouco temerário.

Entre as ações iniciadas pela ex-ministra Kátia Abreu, a quais o senhor pretende dar continuidade e quais pretende abandonar?

A ministra Kátia também procurou avançar. Considero a gestão dela diferente da minha no sentido de ideologia de governo. Eu tenho certeza que muitas coisas em que a ministra Kátia queria avançar não avançou porque tinha uma barreira ideológica do governo. E você vai até um certo ponto, depois disso não passa por causa do plano de governo. O que é bom não será jogado fora, tocaremos para frente.

O grupo Amaggi é um dos maiores conglomerados do agronegócio, que não atua apenas na lavoura, mas no setor de infraestrutura e energia. Em que momento a logística brasileira irá conseguir acompanhar o crescimento da agricultura?

Nós avançamos muito nos últimos anos.Uma história de 30 anos não é nada para um país. Há 30 anos nós produzíamos muito pouco no Centro-Oeste, praticamente não existia agricultura na região. Não tínhamos nenhuma estrada, não tinha um corredor para sair. Hoje temos várias alternativas, pelos portos do Nordeste, do Sudeste e Sul. Ferrovias foram construídas, hidrovias foram implantadas, rodovias estão sendo duplicadas. Claro que se olharmos para onde querermos ir, falta muita coisa ainda. Mas se olhar um pouco para trás, de onde nós viemos, avançamos bastante. E a forma de mudar isso é simples: concessionar. Hoje, um caminhão demora quase o dia inteiro para percorrer um trecho de 200 quilômetros entre Cuiabá e Rondonópolis. Se o trecho for duplicado, em três horas ele faz esse trajeto. Temos que tirar o governo do meio e colocar a iniciativa privada para fazer.

Como o senhor vê essa possibilidade de taxar as exportações do agronegócio para cobrir o rombo da Previdência? Esse assunto foi tratado pelo presidente interino?

Repúdio 100%, abraço de afogado. Esse assunto sequer foi tratado, vi pelos jornais. Não concordo e vou discutir até morrer dentro do governo que isso não deve ser feito. O único setor dentro da economia brasileira que está dando certo, o saldo da balança comercial é quase todo nosso. O governo de Goiás chegou a fazer isso, depois voltou atrás. Isso é retirar dinheiro de um setor que dá certo para dar a quem não tem eficiência. Seria um atraso, vou defender isso até o fim, caso o assunto seja colocado em discussão.

A contribuição da agropecuária para a economia brasileira é mostrada em números. Mas muitas vezes o setor não é compreendido pela sociedade. O que é preciso fazer para que essa imagem, por vezes negativa, seja revertida?

O agro é um setor que fala muito para dentro, fala para ele mesmo e pouco para fora. O Brasil preserva 61% de seu território, que está da mesma forma de quando Cabral chegou ao Brasil. Nenhum país do mundo faz isso. Na legislação brasileira, a questão ambiental é uma das mais duras, é a que mais se obedece. E mesmo assim nós somos criticados, somos jogados na vala comum como se estivéssemos acabando com a Floresta Amazônica. E isso só interessa aos competidores mundiais. Os irlandeses, por exemplo, são os mais contrários à carne brasileira na comunidade europeia. Eles mostram fotos de abates clandestinos, abates na rua, como se o brasileiro consumisse aquela carne. Pretendo reagir a esse tipo de situação, desafiando-os a mostrar se têm o mesmo cuidado que temos.

Leia a entrevista na íntegra AQUI