Num momento em que sofre forte pressão por parte dos investidores para gerar caixa e reduzir seu endividamento, hoje em vultosos R$ 10,3 bilhões, a Marfrig anuncia uma reestruturação de suas operações num modelo “à la AmBev “, com forte foco na redução de custos.
As medidas, que devem ser implementadas até dezembro, preveem a unificação das divisões de bovinos de Brasil, Argentina e Uruguai, a criação de um centro de serviços compartilhados no país – que vai reunir áreas como RH, contas a pagar e a receber e compras de todas as divisões da companhia num escritório em Itajaí (SC) – e a inauguração de um centro de distribuição único em São Paulo em substituição a seis regionais.
Com a unificação das divisões de bovinos dos três países, a área passará a ter apenas um CEO na Marfrig – hoje existe um em cada país. A estratégia para esse segmento de negócios, que corresponde a 35% da receita da companhia, será toda unificada.
Em entrevista ao Valor, o presidente da Marfrig, Marcos Molina, diz que as mudanças foram definidas em estudo para indicar ganhos de sinergia encomendado para a Bain & Company já em 2010, e que não foram antecipadas em função do atual momento de dificuldades da companhia de carnes, que desde o início do ano já perdeu 54,50% de seu valor de mercado. O levantamento da consultoria indicou três pontos em que a Marfrig ainda tem espaço para conseguir ganhos: redução de custos, melhoria do capital de giro e sinergia comercial na área de bovinos.
A companhia está avaliada na BM&FBovespa em R$ 2,4 bilhões, o equivalente a apenas 40% de seu patrimônio líquido – a pior relação do setor. Na JBS, por sua vez, a capitalização é de R$ 11,9 bilhões, o que representa metade de seu patrimônio. Embora tenha o pior desempenho desde a abertura de capital, o Minerva é o único dentre os três que vale, pelo menos, seu valor de livros: R$ 490 milhões.
Molina não quis informar de quanto será a redução de custos decorrente da reestruturação, mas analistas do setor estimam que só a unificação das divisões de bovinos nos três países deve gerar uma economia de R$ 80 milhões a R$ 100 milhões.
O volume pode parecer pequeno diante da receita líquida, mas num ramo de margens apertadas, pode fazer a diferença: equivale a 70% do lucro líquido de 2010 e amenizaria o prejuízo de R$ 67,5 milhões acumulado nos primeiros seis meses deste ano.
O cenário de pressão sobre a Marfrig fez a empresa virar alvo de rumores sobre uma possível fusão com a JBS, o que ambas negam. Além da forte alavancagem, o frigorífico sofre o efeito do desmonte de posições por parte da gestora de recursos GWI e do recrudescimento da crise financeira na Europa, que afeta dívidas em dólar e restringe crédito.
É um cenário que se torna ainda mais nebuloso para uma companhia que deve R$ 10,3 bilhões. Os bônus externos da Marfrig com vencimento em 2020 acumulam uma desvalorização de 27,54% neste ano, elevando o retorno dos títulos a 14,73% ao ano. Quando lançados em abril de 2010, davam um retorno de 9,5%. A empresa tem US$ 2,5 bilhões em bônus.
Numa tentativa de reduzir o endividamento, a empresa já vendeu, no mês passado, a área de logística de sua subsidiária americana Keystone Foods por US$ 400 milhões. Também colocou à venda o terminal do porto de Itajaí (SC) e admitiu se desfazer do que não for “core business”. Além disso, vai diminuir investimentos no próximo ano.
A derrapada da Marfrig, que desde 2006 comprou 18 empresas no Brasil e no exterior, começou em agosto com o desmonte de posições pela GWI. Os fundos da gestora chegaram a ter, no fim de junho, quase 10% do capital da empresa. Analistas do setor consideram que o episódio foi a “fagulha” para um movimento de vendas de papéis por parte de investidores, que começaram a ter dúvidas sobre a sustentabilidade do negócio diante do forte endividamento.
Molina rebate essas análises. “Não têm fundamento.” Ele garante que a empresa “não teve problema para renovar linhas de crédito” e nem atrasou pagamentos. Acrescenta que nenhuma agência de rating rebaixou a nota da companhia – apesar de a Standard & Poor’s salientar que vê “pouco espaço para mais empréstimos”.
O presidente da Marfrig também rejeita informações de que bancos nacionais, que teriam R$ 6 bilhões emprestados à empresa, estariam preocupados com a situação financeira da companhia. Sem confirmar os números, que a Marfrig “não abre”, Molina diz “não concordar” que essa preocupação exista. “Não percebemos essa preocupação”, garante.
Ele reconhece que a atual alavancagem, de 3,9 (relação entre dívida líquida e lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, o lajida), é alta, mas diz que todo o setor de carne enfrenta a mesma situação devido às várias aquisições feitas nos últimos anos.
Para ele, o “mercado está certo” ao cobrar resultado da Marfrig. “O que o mercado quer agora é geração de caixa e que entreguemos os resultados para valorizar as ações. Nosso foco é gerar caixa. Não tem mais o que comprar. Agora é consolidar. Faz quatro anos que abrimos capital, foram quatro anos de investimentos. Agora temos de gerar resultados”, reconhece.
Outro problema que a Marfrig enfrenta e que afeta seus resultados, segundo analistas, é a dificuldade de integrar as diversas aquisições, como a Seara, comprada em 2009 da americana Cargill. Marcos Molina diz que as “sinergias estão vindo, mas são plano de longo prazo”. Segundo ele, a razão é que a Marfrig teve de investir em linhas de produção de industrializados na Seara, que não tinha capacidade para atender a demanda. Além disso, foram feitos esforços em marketing e no lançamento de 120 produtos com a marca.
Parte dos planos da Marfrig para melhorar resultados passa pelo aumento da presença dos produtos industrializados em seu mix, o que, além de melhorar margens, permitiria à companhia tirar proveito de créditos tributários. No Brasil, quem exporta carne in natura não usa o crédito tributário.
Em um relatório publicado no início deste mês, os analistas do Barclays Capital questionaram a capacidade da empresa de gerar caixa, já que a Marfrig está bastante alavancada e tem seu lajida inflado por causa dos créditos tributários, que acabam não sendo totalmente usados. Para o Barclays, tirando o efeito tributário, o lajida da companhia cairia de R$ 1,6 bilhão para R$ 558 milhões.
Desde 2007, a Marfrig tem fluxo de caixa negativo, o que significa que a geração de caixa não é suficiente para manter as obrigações de curto prazo. Em 2010, essa diferença foi de R$ 3,8 bilhões.
Ainda que o momento seja de aperto para a Marfrig, Molina diz que a empresa não está negociando nenhuma capitalização. Sobre a eventual antecipação por parte da BNDESPar da conversão das debêntures, no valor de R$ 2,5 bilhões, em ações da Marfrig, afirma que “é uma possibilidade, mas não pedimos ainda”. Questionado se pode pedir, Molina desconversa.
As debêntures, que financiaram a aquisição da Keystone em junho de 2010, também pesam no balanço da Marfrig. No último trimestre, a empresa teve de pagar juros de R$ 240 milhões ao BNDES referentes aos títulos.
Segundo Molina, a reestruturação não deve levar a demissões na empresa, que tem 85 mil funcionários nas Américas, Europa, Ásia e África. Numa primeira fase, só o Brasil terá centro de serviços compartilhados, mas o plano é fazer o mesmo no âmbito da América Latina e depois globalmente. A empresa contratou Juliano Godoy, ex-AmBev, para tocar o projeto.