A partir de hoje, a BRF, companhia de alimentos com foco em carnes criada a partir da incorporação da Sadia pela Perdigão, ganha um reforço de peso que poderá mudar sua cara no futuro. O empresário Abilio Diniz foi eleito ontem presidente do conselho de administração da empresa, com o apoio da maioria absoluta dos acionistas (62,23% do capital), ainda que a companhia tenha as ações pulverizadas na BM&FBovespa.
Convidado pela gestora de recursos Tarpon, detentora de 8% das ações da BRF, para investir e atuar na companhia, o empresário contou também para a empreitada, logo de início, com o apoio da Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), dona de 12,2% do capital.
A despeito da polêmica que surgiu nos últimos meses em torno de sua iniciativa, pelo fato de ser também presidente do conselho de administração do Grupo Pão de Açúcar (GPA), Abilio conseguiu mais do que dobrar o apoio ao seu nome nesse período.
Considerando sua posição na companhia, de cerca de 3% (R$ 1 bilhão), mais os votos de Tarpon e Previ, ele tinha inicialmente 23% do capital a seu favor. Na assembleia de acionistas realizada ontem na sede da companhia em Itajaí (SC), a BRF contou com participação recorde de investidores: 81,18% do capital.
Abilio teve outro apoio de peso, o da gestora de recursos BlackRock, disparado a maior acionista estrangeira, com 5% do capital. Normalmente, investidores internacionais são avessos a temas polêmicos e tendem a se abster.
No resultado final, 6,08% votaram contra o nome do empresário para presidir o conselho e 12,81% se abstiveram. O principal voto contrário foi de Décio da Silva, presidente do conselho e filho do fundador da Weg, Eggon João da Silva, que chegou a presidir a Perdigão antes da chegada de Nildemar Secches, que encerrou ontem um ciclo de 18 anos na companhia. Décio da Silva e família possuem cerca de 3,5% do capital da BRF. O restante dos votos contrários vieram de estrangeiros variados.
A principal abstenção foi a do Fundo de Pensão dos Funcionários da Petrobras (Petros), atualmente maior acionista da BRF, com 12,74% do capital. Ambos, Décio da Silva e Petros, são nomes que Abilio terá de conviver, pois participam do conselho com três das 11 vagas.
É a primeira vez na história da BRF que um presidente do conselho é eleito sem consenso. Com isso, a companhia começa, de fato, a viver uma realidade de empresa sem acionista majoritário, com as ações dispersas no mercado. A atual composição do conselho é fruto de uma articulação de acionistas interessados em promover mudanças na gestão do negócio.
É a primeira vez também que, conhecida por sua reputação em governança corporativa, estará fora do script das melhores práticas, já que o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) recomenda que um presidente de conselho tenha essa função em uma única empresa, para não comprometer a dedicação ao negócio.
A assembleia que marcou a entrada da BRF no universo das “empresas sem dono” foi muito mais agitada do que a média dos encontros da empresa. Em Itajaí, o encontro atraiu um grande número de participantes, mas a ampla sala reservada quase não suportou a audiência. Lá estavam 40 pessoas entre acionistas, advogados, jornalistas e diretores. Foram acompanhar a reunião, além de Secches, José Antonio do Prado Fay, presidente executivo da BRF, o vice-presidente de finanças e relações com investidores, Leopoldo Saboya, e o vice-presidente de assuntos corporativos Wilson Mello.
Pedro Andrade de Faria, sócio da Tarpon, que iniciou o movimento em torno de Abilio, também esteve lá, pessoalmente. E de uma base em São Paulo, no escritório da empresa, José Carlos Reis de Magalhães, outro sócio da Tarpon, também acompanhou a reunião por video conferência. Ambos são também conselheiros de BRF. Magalhães estava junto com outras 20 pessoas, entre elas Marco Geovanne, diretor de participações da Previ, e Luiz Fernando Furlan, da família fundadora da Sadia.
Mas, apesar de ter sido bastante concorrida, a assembleia ocorreu sem grandes surpresas e com relativa rapidez para a quantidade e a relevância dos temas – durou uma hora. O único acionista a apresentar na hora algo contra foi o investidor pessoa física Rafael Rocha, que questionou as razões de se colocar na presidência do conselho alguém que eventualmente tenha que se abster de temas importantes. Ele estava se referindo às relações comerciais das empresas – a BRF é a maior fornecedora de GPA e a varejista, sua maior rede de distribuição no país. Em 2012, as compras do grupo que Abilio fundou ao lado do pai somaram R$ 980 milhões.
Logo após o encontro, que contou com dois votos de louvor para Nildemar Secches, pela sua contribuição ao negócio, o executivo comentou as mudanças. Mais uma vez afirmou que não será um fantasma na vida da companhia. Nildemar, contudo, se recusou a dar sua opinião pessoal a respeito da discussão do conflito de interesses. Limitou-se a dizer que o resultado da assembleia era soberano a esse respeito. Para ele, Abilio poderá contribuir especialmente no programa organizacional da BRF.
O executivo, com isso, não apenas quis reforçar que a vontade da maioria foi exercida. A Lei das Sociedades por Ações prevê que um conselheiro, se estiver em situação de conflito de interesses com a companhia, pode ser eleito para o colegiado, pois a assembleia tem o poder de dispensá-lo da discussão.
No mesmo dia que marca sua chegada na administração da BRF, Abilio diminuiu sua exposição ao negócio de sua vida, o GPA. Vendeu R$ 850 milhões de ações na bolsa. Na prática, desde dezembro, ele reduziu sua participação em preferenciais de 35 milhões de papéis para 9 milhões.
Apesar de, segundo fontes, a discussão do conflito de interesses não ser o motivo da venda dos papéis, e sim o preço atrativo em bolsa, a operação reduz um pouco o desbalanceamento entre as participações econômicas nas duas empresas. Abilio tem agora cerca de R$ 1 bilhão aplicado em BRF e pouco mais de R$ 3 bilhões em GPA. Em dezembro, quando se tornaram públicas suas intenções, o empresário tinha R$ 5,5 bilhões do seu patrimônio concentrado na rede varejista.
A despeito de falta de unanimidade ser uma questão com a qual Abilio terá de conviver e gerenciar, a ampla aprovação a seu nome ajuda a fortalecê-lo no conflito com o Casino, controlador isolado de GPA desde junho de 2012 e com o qual vive uma briga pública. Uma eleição que tivesse forte rejeição, ainda que vitoriosa, daria munições para o sócio francês explorar sua situação o que acabaria expondo também à BRF.