Mais de três anos após a delação premiada que chacoalhou a República, a holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista assinou o aguardado acordo com o Departamento de Justiça (DoJ) dos EUA. Com isso, os controladores e a JBS resolveram pendências que pairavam como sombra sobre a sonhada listagem de ações das operações internacionais da empresa e da divisão Seara em uma bolsa americana.
Na B3, os investidores reagiram com entusiasmo. As ações da JBS lideraram os ganhos entre os papéis do Ibovespa, com uma valorização de 9,2%. Assim, a empresa ganhou R$ 4,8 bilhões em valor de mercado e fechou o pregão desta quarta-feira avaliada em mais de R$ 57 bilhões. No acumulado deste ano, porém, as ações amargam queda de 14,8%.
Na prática, três acordos com as autoridades americanas foram anunciados nesta quarta-feira, dirimindo riscos processuais nos EUA. O mais importante, é claro, foi o da J&F Investimentos, a holding dos Batista que tem 41% das ações da JBS. A controladora se declarou culpada por violar a legislação americana — a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês) — e concordou em pagar multa de US$ 128,2 milhões (ou mais de R$ 700 milhões).
O acordo com o DoJ está relacionado a condutas e crimes reconhecido no Brasil por meio do acordo de leniência firmado pela J&F com o Ministério Público Federal (MPF) e pela colaboração premiada de Joesley e Wesley. A multa total aplicada à J&F foi de US$ 256 milhões (R$ 1,4 bilhão), mas a holding recebeu um crédito de 50% dos americanos por já ter fechado um acordo no Brasil. Na leniência, firmada em maio de 2017, a J&F aceitou pagar R$ 10,3 bilhões, em 25 anos. Quando se consideram as multas brasileiras e americana, a holding dos irmãos Batista arcará com R$ 11 bilhões.
“O acordo põe fim a qualquer exposição criminal nos Estados Unidos da J&F e de todas as suas afiliadas relacionadas à conduta”, informou a JBS, em fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Como o acordo foi feito pela holding, a JBS não desembolsará nada. O passivo é do controlador, e não da controlada.
Por outro lado, a JBS assinou um acordo civil com a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos e, nesse caso, a empresa pagará diretamente uma multa de US$ 26,8 milhões — o equivalente a R$ 150 milhões.
A negociação com a SEC ocorreu porque a JBS não cumpriu com seu dever fiduciário, falhando em “manter precisos seus livros, registros e controles contábeis internos”. Com o acordo, a JBS terá de avaliar e informar à xerife do mercado de capitais americano sobre a efetividade das políticas anticorrupção pelos próximos três anos.
Em uma demonstração de como a JBS buscou retirar qualquer obstáculo jurídico nos EUA que pudesse, em maior ou menor medida, atrapalhar o processo de listagem de ações no mercado americano, a Pilgrim’s Pride, controlada pela JBS, anunciou também nesta quarta-feira um acordo com a divisão antitruste do DoJ que investigava um cartel do frango que teria ocorrido de 2011 ao início de 2019.
Concorrentes como as também americanas Tyson Foods e Sanderson Farms são igualmente investigados pelo conluio.
Com ações na Nasdaq, a Pilgrim’s pagará uma multa de US$ 110 milhões (o equivalente a R$ 615 milhões). A investigação do órgão antitruste vinha avançando rapidamente. Na semana passada, o ex-CEO da Pilgrim’s Bill Lovette, que comandou a agroindústria de frango entre 2012 e 2019, foi indiciado. Jayson Penn, substituto de Lovette na subsidiária da JBS, também já havia sido indiciado — em junho, ele se licenciou para se defender das acusações e recentemente deixou a empresa.
O pacote de acordos nos EUA se soma a outros desdobramentos que, aos poucos, facilitam o processo de listagem da ações da JBS no mercado americano. Um deles foi o vencimento, no fim de 2019, do acordo de acionistas entre a J&F e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com isso, o banco estatal, que ainda possui 21,8% do capital e já manifestou o interesse de se desfazer dos papéis — o que ajuda a pressionar o valor das ações —, perdeu o poder de veto sobre a operação. Em 2016, o BNDES impediu a reestruturação societária pela qual a JBS pretendia transferir a sede da companhia para a Irlanda.
Mas nem todas as pendências estão pacificadas. Em Brasília, o MPF pediu à Justiça neste ano que impeça a JBS de transferir a sede para o exterior. Em outras ocasiões, fontes próximas à companhia argumentaram que ainda não havia um desenho fechado para a estrutura societária e sustentaram que a controladora J&F continuaria com sede no Brasil.
Nas hipóteses já aventadas, a JBS poderia reunir todos as operações internacionais, mais a Seara, sob o guarda-chuva da companhia que será listada nos EUA — e que, possivelmente, também terá sede no exterior. Os negócios de carne bovina no Brasil, menos rentáveis que os demais, seguiriam com sede no país, como o Valor já informou.
Na esfera societária, as relações entre família Batista e BNDES ainda não estão resolvidas. Em 30 de outubro, os acionistas da JBS apreciarão o pedido do banco para que a empresa processe os irmãos pedindo indenização por prejuízos causados à JBS pelos crimes confessados na delação.