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Agroindústrias em ritmo de recuperação

<p>O ano de 2006 não tem sido tão ruim para as agroindústrias em geral como para agricultores e pecuaristas.</p>

Redação (17/11/06) – Já no primeiro semestre, mesmo com queda do faturamento consolidado – segmentos em boa fase como o sucroalcooleiro compensaram parte da retração -, a cadeia agroindustrial deu sinais de recuperação de rentabilidade e, como um todo, reduziu seu nível de endividamento. Com isso, dizem economistas ouvidos pelo Valor, pode encerrar o ano com resultados melhores que os de 2005.

“A mudança está apenas começando e nem todo mundo percebeu, mas o quadro vai ficar mais claro em 2007”, diz Fernando Homem de Melo, professor titular da Faculdades de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP). Para ele, a reversão do cenário decorre da melhora dos preços internacionais de alguns produtos, sobretudo os grãos, e a mudança não é conjuntural, mas estrutural.

A quebra nas safras de trigo da Austrália e da Argentina – que reduziu a oferta global em mais de 20 milhões de toneladas – elevou os preços do cereal no mercado externo e, por tabela, ajudou a valorizar as cotações de milho e soja. As três culturas compõem o chamado “complexo ração” e por isso o comportamento de uma delas costuma influenciar as demais.

Além disso, milho e soja sofrem a influência da crescente demanda para a produção de biocombustíveis. “É um exemplo de mudança estrutural. Haverá pressão pela adoção de biocombustíveis para controle dos níveis de poluição, e as áreas para expansão das lavouras é restrita. Daqui para frente a tendência é de cotações melhores e mais rentáveis”.

Melo vê a redução de área plantada no Brasil nesta safra e o menor gasto com insumos como fatores que contribuirão para a melhora da rentabilidade do setor em 2007. “Não acredito em mudanças acentuadas na taxa de câmbio, mas o problema de rentabilidade será resolvido pelos custos menores e pela melhora dos preços no mercado externo”.

O professor observa, porém, que a valorização dos grãos em breve afetará a cadeia das carnes. Mas nota que os segmentos de café e citros também tendem a manter preços sustentados, por conta das previsões de safra global menor em 2007. Para a área sucroalcooleira, a demanda crescente por açúcar e álcool também tende a favorecer preços.

A alta nas cotações internacionais dos grãos já influencia os valores pagos no mercado interno. A redução da oferta interna por conta do fim da comercialização da safra também estimula as altas. O Índice de Preços por Atacado (IPA), calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta incremento de 7,7% nos preços dos produtos agrícolas no acumulado de janeiro a outubro.

“Só em outubro a alta foi de 5%. O período de custo baixo da alimentação, que foi um componente para campanha de reeleição do Lula, terminou. A agricultura agora vai voltar a ganhar dinheiro e o consumidor vai ter que pagar parte do ônus”, diz Melo.

A recuperação agroindustrial está estampada em estudo da Serasa sobre o primeiro semestre deste ano. O levantamento é baseado nos balanços divulgados por 2.361 empresas do setor – entre frigoríficos, esmagadoras de grãos, laticínios e outras indústrias de alimentos – e mostra que, neste universo, o percentual de queda do faturamento diminuiu para 3%. Em 2005, a retração foi de 9,4%, para R$ 98,973 bilhões no total.

O segmento agroindustrial também passou a apresentar rentabilidade positiva de 2,2% em relação ao faturamento líquido, e um endividamento correspondente a 159% do valor do patrimônio líquido, ante 174% no ano passado. Ainda no mesmo universo, a área de óleos e farelos apresentou os piores índices, enquanto as áreas de carnes e lácteos apontaram resultados mais favoráveis.

“As agroindústrias conviveram com um mercado interno mais aquecido e continuaram exportando. E também foram favorecidas pelos custos menores das matérias-primas [grãos e carnes] até setembro. Provavelmente a maioria delas vai encerrar o ano com resultado positivo”, diz Márcio Torres, gerente de crédito da Serasa.

O crescimento das agroindústrias também foi observado na pesquisa de desempenho industrial realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No primeiro semestre, elas cresceram 1,1% – abaixo da média das indústrias em geral, cujo avanço foi de 2,6%. Os maiores incrementos foram na cana, celulose, fumo, arroz e trigo. As maiores quedas, como era esperado, foram em soja, milho e carnes.

No caso das empresas agropecuárias – produtores de grãos, cooperativas e fazendas de gado – , os resultados foram piores no primeiro semestre, mas com igual tendência de recuperação no acumulado do ano. O estudo, que envolveu apenas resultados de pessoas jurídicas, aponta no primeiro semestre uma queda de 12,1% no faturamento, que em 2005 foi de R$ 43,159 bilhões.

O segmento apresenta rentabilidade negativa de 0,1% em relação ao faturamento líquido. Em contrapartida, registra queda no nível de endividamento em relação ao patrimônio líquido, de 141% em 2005 para 136% entre janeiro e junho deste ano.

O resultado, segundo Torres, foi diretamente influenciado pela queda dos preços de grãos e carnes, que levou à redução de 2,26% no PIB agropecuário de janeiro a julho, de acordo com levantamento realizado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Cepea-USP).

“O real apreciado em relação ao dólar impactou muito o segmento porque ele é eminentemente exportador. Juntam-se preços baixos e câmbio ruim e o resultado é menos receita em real”, observa Torres. Ele considera, ainda, que o dólar impediu maior expansão nas exportações, que no primeiro semestre cresceram 11%, contra 17% em 2005.

Ao mesmo tempo, observa, a desvalorização de 14,8% do dólar em relação ao real no primeiro semestre reduziu dívidas das empresas em moeda estrangeira. “A queda dos juros também fez o endividamento crescer menos, por isso a melhora”, afirma ele.

No segmento agropecuário, a Serasa ressalta o desempenho das cooperativas, que mantiveram uma rentabilidade positiva de 1% sobre o faturamento – enquanto o restante do setor teve queda – , mesmo tendo apresentado resultados piores em faturamento (queda de 13,6%) e no nível de endividamento (177%). “As cooperativas melhoraram a gestão”, confirma Torres.

Márcio Lopes de Freitas, presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), observa que as cooperativas previam para o ano uma queda de receita entre 15% e 20% e “enxugaram” custos. “No ano passado tivemos uma quebra geral no faturamento da ordem de 20%, e neste ano as cooperativas se reestruturaram para se adaptar ao cenário desfavorável ao agronegócio”, afirma.

Freitas aponta como fatores que favoreceram o segmento o aumento geral das exportações em 5% no primeiro semestre; os preços favoráveis do café; a aposta de cooperativas nos segmentos de lácteos, sucos de frutas e cana-de-açúcar; e o alongamento das dívidas pelo governo. Neste ano, conforme o dirigente, as cooperativas tendem a repetir o faturamento de 2005, de R$ 90 bilhões. As exportações, segundo Freitas, devem crescer 10% no ano, para US$ 2,5 bilhões.

“A cana vai bem, a soja já bate US$ 12 a saca no preço futuro praticado em Chicago e o aumento do consumo de milho nos Estados Unidos vai nos dar espaço até para exportar esse grão. A bioenergia puxa os preços dos grãos e, em conseqüência, os preços das carnes tendem a subir. Vejo uma forte luz no fim do túnel”, afirma o presidente da OCB.

Já Ricardo Cotta, superintendente técnico da CNA, acredita que, apesar da melhora nos resultados das agroindústrias neste ano, o setor ainda enfrentará problemas em 2007 devido aos altos níveis de endividamento. “As dívidas renegociadas neste ano vão estourar de novo em 2007. Não acredito que será um ano de vigor”, afirma. A CNA prevê para 2006 queda de 4,4% na receita dos agronegócios, para R$ 166,6 bilhões.