Há 60 anos na agropecuária, a família Cella vendeu na última semana 60 fêmeas de suínos a R$ 1,8 o quilo, metade do preço de custo. Nos próximos dias, os criadores de Chapecó pretendem se desfazer de mais 70 cabeças e 400 leitões. Na cidade vizinha de Arvoredo, o produtor Neuri Meneguzzi conseguiu manter a atividade com gado e algumas economias. Em Seara, também no Oeste do Estado, Jacob Biondo cortou 30% do plantel de porcos e prevê nova redução. Com os constantes aumentos do preço do milho, produtores catarinenses estão se desfazendo dos animais para sobreviver à crise no setor.
“Deixou de girar R$ 30 mil por mês na propriedade. Estávamos nos recuperando da crise de 2012 e veio outra pior”, lamenta Terezinha Cella, lembrando que há quatro anos, quando algumas agroindústrias foram incorporadas pela JBS e Aurora, houve uma crise.
Meneguzzi tem apenas 100 sacas de milho no depósito, suficientes para apenas 15 dias de alimentação de 100 fêmeas e 500 leitões. Somente o gasto com milho aumentou em R$ 4 mil por mês.
“O prejuízo é de R$ 150 por suíno. É uma situação que a gente não sabe o que fazer”, afirma o produtor.
A crise do milho, iniciada no final do ano passado, com o aumento das exportações do cereal produzido no Estado e alta no preço, é uma ameaça para o setor agroindustrial catarinense, que emprega diretamente 60 mil pessoas e, indiretamente, mais de 100 mil. O custo para produzir um quilo de frango e um de suíno aumentou 24% nos últimos 12 meses, segundo dados da Embrapa Suínos e Aves de Concórdia. O economista e analista da empresa Ari Jarbas Sandi calcula que 52% do custo de produção do suíno, mais da metade, refere-se ao milho (no gráfico da página ao lado).Se para os produtores o cenário é difícil, para empresas não é diferente. A Globoaves, de Lindóia do Sul, chegou a racionar ração e 200 aves morreram de fome ou foram pisoteadas. Outras agroindústrias ajudaram a empresa para abastecer os integrados e retomar o abate, depois de 20 dias de férias coletivas para 600 funcionários.
A Aurora, também no Oeste, planeja reduzir em 5% o abate de aves com férias coletivas de 1,4 mil funcionários da unidade de Abelardo Luz em julho e agosto.
Indústrias catarinenses apostam em importação
A alta do preço do milho, que estava R$ 26 a saca para a indústria no ano passado e passou a R$ 52, aumentou os custos em cerca de R$ 30 milhões por mês, afirma o diretor agropecuário da Aurora Alimentos, Marcos Zordan. O reajuste obrigou indústrias a buscarem milho na Argentina, que chega a Chapecó a R$ 47. Somente a Aurora trouxe 20 mil toneladas. Além disso, outros produtos, como trigo, estão sendo utilizados para compor a ração.
“O governo deveria ter tomado uma medida que travasse a exportação (do milho produzido no Estado)”, lamenta Zordan.
O diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados de Santa Catarina (Sindicarne) e da Associação Catarinense de Avicultura (Acav), Ricardo Gouvêa, acredita que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) teria que intervir de maneira a equilibrar oferta e demanda. Segundo ele, os volumes repassados para SC foram irrisórios.
A Cooperativa Agroindustrial dos Suinocultores Catarinense, que reúne criadores que não fazem parte do sistema de integração das grandes empresas, comprou mil toneladas de milho de cooperativas do Paraguai, a R$ 46 a saca.
O presidente da entidade, Losivânio de Lorenzi, reclama que promessas do governo federal, de aumentar a oferta de milho e isentar impostos de importação e financiamento novo para suinocultores, não saíram do papel.
Aposta em produtividade para diminuir dependência
A falta de milho em Santa Catarina é um problema complicado de resolver, já que o Estado representa apenas 1,2% do território brasileiro. Para piorar, a área plantada de milho vem perdendo espaço para a soja há pelo menos uma década. A Federação das Cooperativas Agropecuárias de Santa Catarina, em parceria com o governo do Estado, tenta incentivar agricultores a optar pelo milho, fornecendo insumos para pagamento na safra do próximo ano e garantindo um preço mínimo de R$ 38, que será bancado pelas agroindústrias.
O secretário adjunto de Estado da Agricultura e da Pesca, Airton Spies, explica que a pasta tem outras frentes para amenizar o déficit, que é de 3 milhões de toneladas. Segundo ele, ao trazer milho de outros Estados, Santa Catarina deixa de arrecadar R$ 132 milhões em ICMS.Uma das ações é o programa Terra Boa, que fornece sementes e calcário subsidiado para os agricultores. A meta é chegar a 10 toneladas de milho por hectare até 2020. Nos últimos quatro anos, a produtividade já aumentou 24%, chegando a 7.750 quilos por hectare.
Outra ação é subsidiar o juro para financiamento de construção de armazéns. SC já aumentou a capacidade de armazenamento de 4,2 milhões para 4,6 milhões de toneladas. A meta é chegar a 5,2 milhões de toneladas, permitindo que seja estocado mais milho no Estado. Outra alternativa é incentivar o plantio de produtos que podem substituir parte do milho na ração, como trigo, cevada e sorgo.
Outra ação citada pelo secretário é a melhoria na logística. O Estado tentou viabilizar o transporte de milho de Mato Grosso até Lages, por linhas já existentes, mas o custo ficava mais caro em virtude do transbordo. A Ferrovia Norte Sul, que está em fase de estudo, seria a uma solução a médio e longo prazo.
Spies explica que a questão do milho é um problema, mas que reflete a vocação de Santa Catarina em transformar produto em carne e leite. Ele lembrou que SC é o maior produtor de suínos, segundo de aves e quinto de leite. Isso com apenas 1,2% do território nacional.
O secretário reconhece que o preço dos insumos é o que propulsiona a crise, mas afirma que a situação só chegou aonde está pela falta de planejamento.
“Nossos produtores decidiram plantar mais soja e menos milho na safra passada olhando pelo retrovisor. Olhando o milho a R$ 23 e a soja a R$ 75 em SC. É óbvio que ia ter mais soja”, diz.
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