A vida dos leitores de bola de cristal está cada vez mais complicada. No caso do agronegócio, a confluência de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, uma terrível epidemia de peste suína africana na Ásia, a retomada de pesadas taxações sobre as exportações no novo governo argentino e, fechando o ano, o anúncio de um mega-acordo EUA-China jogaram por terra as profecias e os cenários dos oráculos dos últimos três anos.
Definitivamente, entramos numa nova “era das incertezas”, marcada por volatilidades, rupturas e o retorno brutal da geopolítica no comércio mundial.
Assim que assumiu, em 2017, Donald Trump decidiu taxar a entrada de produtos chineses nos EUA e a China retaliou fazendo o mesmo contra a entrada de produtos americanos. Por isso o Brasil foi beneficiado com importações crescentes da China no agronegócio, que favoreceram principalmente nossa soja.
De 2016 a 2018 as exportações agrícolas do Brasil para a China saltaram de US$ 21 bilhões para US$ 35 bilhões, enquanto as dos americanos caíram de US$ 25 bilhões para só US$ 13 bilhões. O Brasil tornou-se o maior produtor e exportador de soja do mundo e a China adquire 80% da nossa exportação.
Em meados de 2018 uma epidemia de peste suína atingiu a China e vários países do Sudeste Asiático. Os produtores venderam seus animais no mercado antes de serem obrigados a enterrá-los, incluindo suas matrizes. A China responde por metade da produção mundial de suínos.
O volume perdido de suínos na China é maior que todo o mercado mundial de carne porcina. Isso fez a China reduzir em 12% (11 milhões de toneladas) suas importações de soja, usada basicamente para produzir rações de aves e suínos. Perdemos na soja, mas estamos exportando mais carnes bovinas, suínas e de aves para o gigante asiático. Os produtores brasileiros de carne comemoram, mas os consumidores reclamam dos preços mais altos no mercado interno. A China levará pelo menos três anos para se recuperar do desastre da peste suína.
A boa notícia é que vai haver uma mudança forçada no modelo de produção de suínos na China, substituindo a criação de fundo de quintal por granjas modernas e controladas, onde os animais são menos susceptíveis a doenças. Como a produção comercial em granjas consome mais ração – leia-se muito mais soja e milho –, no longo prazo isso beneficia o Brasil e outros fornecedores.
O último capítulo dessa série de surpresas deu-se na semana passada, com o intempestivo anúncio de Trump de que os EUA e a China teriam fechado a primeira fase de um acordo histórico que pretende acabar com a guerra comercial. Segundo o que foi divulgado, as exportações agro dos EUA para a China saltariam de US$ 14 bilhões para US$ 56 bilhões em apenas dois anos, um aumento enorme. É pouco provável que essa meta seja cumprida, até porque os agricultores americanos acabam de perder quase 50 milhões de toneladas de grãos numa safra marcada por problemas sucessivos de excesso de chuva e frio. O tal acordo agrícola parece ser apenas Trump jogando para a plateia interna em ano pré-eleitoral, no caso, os agricultores do Meio-Oeste americano.
Mas se o acordo se concretizar em algum momento, o montante ali previsto certamente impactará negativamente as nossas exportações de soja, algodão e carnes para a China. Os EUA são, de longe, nosso maior concorrente no mercado mundial.
Por isso se torna fundamental verificar se esse acordo propõe apenas a volta da normalidade competitiva, dentro das regras do mercado, ou se serão criados mecanismos “privilegiados” de comércio entre China e EUA, como, por exemplo, compras dirigidas realizadas por tradings estatais chinesas. É preciso analisar também se o acordo será compatível com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), recentemente debilitada pela recusa dos EUA de nomear juízes para o seu Órgão de Apelação.
Em resumo, entramos numa era sombria dominada pela geopolítica e pelo “comércio administrado”, com o endosso das duas maiores economias do planeta. Mas ainda assim acredito que nossas perspectivas continuam sendo extraordinárias no agro. Se a China substituir as compras do Brasil em favor dos EUA, isso fatalmente nos abrirá espaço em outros mercados importantes do Sul e Sudeste da Ásia e do Oriente Médio, por conta do aumento de renda da pujante classe média asiática. Isso sem contar o potencial de longo prazo da África e da Índia, com o seu imenso crescimento populacional.
Minha tese é que ninguém segura o Brasil nas commodities que não dependem tanto de políticas governamentais (aqui e no exterior), como soja, milho, algodão e celulose, em que a oferta e a demanda se ajustam mais facilmente via mercado.
O maior exemplo desse ajuste é a incrível expansão da oferta de milho e algodão na segunda safra, plantada logo após a soja no mesmo ano agrícola, que já cobre 14 milhões de hectares no País. Ela nos levou ao segundo lugar nas exportações dessas duas commodities em 2019, assustando os EUA, país que ocupa a primeira posição no ranking mundial.
Em 2019 o milho vai superar a secular indústria de cana-de-açúcar no ranking dos principais produtos exportados pelo Brasil. E o algodão vem um pouco mais atrás, voando baixo. Isso sem contar a turbinada que virá com os investimentos que estão sendo feitos na logística de transporte do País e o grande potencial da integração lavoura-pecuária que ainda temos.
Por outro lado, produtos como açúcar, etanol e carnes demandam esforços consistentes de acesso aos mercados e políticas públicas específicas aqui dentro para conseguirem crescer no exterior.
Em suma, no agronegócio vivemos tempos de grande potencial de crescimento da demanda mundial e de expansão sustentável da oferta no País. Mas são tempos turbulentos e imprevisíveis, marcados por crises frequentes, instabilidades geopolíticas e guerra comercial. E tempos turbulentos exigem estratégia, organização e liderança.