Em meio à pandemia do novo coronavírus, o setor produtivo brasileiro corre contra o tempo para identificar os gargalos na logística entre o campo e o consumidor no País e exterior. Para entender quais os desafios da logística no momento, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) abriu um canal para receber as necessidades dos produtores. O ponto mais sensível identificado foi o trânsito de caminhoneiros nas rodovias.
“Nós montamos um grupo para avaliar os setores da crise. Nosso maior problema era garantir que a logística não ia parar e que a produção de alimentos ia ser inserida em atividades essenciais. Dia 20, saiu a Medida Provisória 926 e o decreto que elenca quais são as atividades essenciais e não só a produção de alimentos foi inserida como uma delas, como toda sua cadeia foi colocada como essencial, ou seja, não pode parar”, disse o superintendente técnico da CNA, Bruno Lucchi (foto acima), em entrevista à ANBA.
Segundo Lucchi, a questão foi levantada porque dias antes, alguns municípios fecharam rodovias e lojas de agropecuária. A assessora técnica de Logística e Infraestrutura da CNA, Elisangela Pereira Lopes, aponta que ainda há focos de fechamento de rodovias em todo o país. “Não é em uma região específica. Há, por exemplo, na BR 163, no Mato Grosso, na BR 101, que se estende pelo litoral de sul a norte, na BR 242, que atende grãos e os leva até o Porto de Ilhéus, Bahia. São principalmente os corredores de comércio do Brasil”, conta Lopes.
As entidades tentam agora soluções para a infraestrutura no caminho. “Os caminhoneiros estão reclamando de fechamento de estradas, de estruturas como mecânicas, borracharia, restaurantes. Estruturas para parada de descanso e que eles possam manter a prestação de serviço como caminhoneiro. Estamos identificando os principais gargalos nesse sentido”, diz Lopes.
Para facilitar o trajeto dos trabalhadores, as concessionárias rodoviárias estão listando as estruturas que estão funcionando e informando os caminhoneiros onde tem restaurante, borracharia e oficina mecânica.
A CNA não tem previsões para o médio e longo prazo, mas garante que as ações estão sendo estudadas e definidas diariamente. O Ministério da Infraestrutura também abriu um canal para receber informações sobre a saúde do caminhoneiro e tem feito reuniões de dois em dois dias com entidades do setor produtivo e de logística para atualização e definição de novas ações.
Contêineres refrigerados para exportação
Na logística para embarque de produtos ao exterior, a preocupação é com alimentos que necessitam de refrigeração, como carnes. “Dos contêineres que foram exportados para China e Europa, não voltaram todos. Muitos dos que são refrigerados estão tendo dificuldade de retorno ao Brasil. Como o trajeto é longo acreditamos que pode chegar nas próximas semanas”, afirmou Lucchi.
A demora no retorno se deve ao tempo em que esses contêineres ficaram parados em portos como o de Xangai, que esteve paralisado por dias. “Os contêineres que chegaram lá tiveram que ir para outros portos, como Hong Kong. A atividade portuária voltou a funcionar rápido até, mas o tempo que os navios ficaram lá foi muito superior ao planejado. As empresas de contêineres começaram a ter menos equipamentos à disposição. Isso aconteceu semana passada, e foi um grande problema na questão de produtos refrigerados”, explicou ele. Mas segundo Lucchi, não houve atraso em novos embarques e o retorno dos contêineres deve evitar o gargalo.
No Porto de Santos, um dos principais do Brasil, chegou a haver uma demanda dos trabalhadores para que houvesse paralisação do trabalho, mas a instituição emitiu nota no dia 23 informando que vai funcionar normalmente. Os envios feitos por avião, por outro lado, como as frutas que em boa parte saem do Nordeste através de voos de carreira, têm encontrado dificuldades de chegar a seus destinos. Com muitos voos cancelados, o superintendente afirma que estão acontecendo negociações para redefinir as rotas e maneiras de embarcar as frutas.
Na chegada aos seus destinos no exterior os produtos não encontram nenhuma barreira. “Pelo contrário. Os países estão facilitando a entrada das cargas de alimentos”, destacou Lucchi. Segundo a CNA, os pontos sensíveis na distribuição são os perecíveis, como frutas, derivados de lácteos e flores. Esses produtos, que tinham entrada em food service, bares, restaurante e feiras, estão sendo redirecionados para rede varejista e comércio on-line.
Menos burocracia, mais medidas preventivas
A burocracia é outra barreira que as entidades tentam tirar da frente agora. “Nós apresentamos dia 25 um ofício, pedindo uma linha de capital de giro para os setores que estão mais afetados, com taxa de juros mais assistivas que as atuais e a prorrogação de financiamentos, e para reduzir a burocracia nesse momento. O que puder simplificar e não precisar registrar em cartório agora, é o ideal. Quando normalizar, voltam a pedir isso”, explicou Lucchi.
Definida como atividade essencial, os produtores agora terão que se voltar para orientações de prevenção suas e de seus funcionários. “Todas as propriedades rurais e agroindústrias vão adotar medidas de segurança. Vamos entrar na colheita da cana-de-açúcar e de café e quem tinha um ônibus para levar 40 trabalhadores, precisa dividi-los em dois ônibus, para que não fiquem tão próximos, aumentar refeitórios. O setor tem orientado seus trabalhadores sobre noções de higiene e contratado mais pessoas. Quem passar mal vai cumprir quarentena. Está tendo custo extra, mas garantindo as colheitas e tendo que seguir todas as recomendações”, disse Lucchi.
Há, ainda, preocupação em fornecer insumos para auxiliar na higiene e não contaminação pela covid-19 dos caminhoneiros. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) doou 1 milhão de litros de álcool, 70% direcionado para seis estados diferentes. Já a CNA doou R$5 milhões para auxiliar o sistema de saúde. “Pode ser que vá para a saúde do produtor rural, para que ele continue produzindo. Pode ser destinado ao transporte de municípios agrícolas, ou mesmo para hospitais. Recebemos também manifestação popular para arrecadar insumos para os caminheiros. A exemplo do que aconteceu na greve dos caminhoneiros de 2018, a sociedade está bem conscientizada da importância desse serviço não parar”, lembrou Lopes.
Catraca livre
Uma das medidas para facilitar a fluidez das cargas, e prevenir que os caminhoneiros da contaminação, é a isenção dos motoristas em pedágios. A medida vem sendo implementada através de convênio entre as concessionarias das rodovias e as operadoras de tags, que estão distribuindo o equipamento para que os motoristas fiquem isentos durante três meses do pagamento. Nesta quinta-feira (26), o Grupo CCR firmou parceria com as operadoras de sistemas automáticos de cobrança, para a distribuição de 23 mil tags. “A ideia é que não haja contato físico com as pessoas nas cabines de cobrança do pedágio”, apontou a assessora, lembrando que a demanda foi uma das levadas pela CNA em reuniões anteriores entre as entidades.