Quase um ano após o início das mudanças na gestão da BRF, com a chegada de Abilio Diniz ao conselho de administração, a companhia, resultado da compra da Sadia pela Perdigão em 2009, vive um processo de “Sadização” – expressão que circula no mercado. Além de quase todos os executivos da antiga gestão terem saído, até mesmo a volta do nome Sadia para substituir a sigla BRF foi aventada, conforme apurou o Valor.
De fato, a BRF sob Abilio Diniz se parece hoje muito mais com a antiga Sadia do que com a BRF da gestão Nildemar Secches/José Antônio do Prado Fay. Todos os vice-presidentes que tinham como origem a Perdigão deixaram a empresa e mesmo no conselho de administração, presidido por Abilio Diniz, não há mais membros ligados à antiga gestão da BRF. No fim de fevereiro, o último deles, Décio Silva, deixou o conselho.
O que se fala no mercado é que, na prática, a empresa vive um processo de “reverse takeover”: a Perdigão comprou a Sadia em maio de 2009, mas agora acionistas tradicionais da Sadia, como a Tarpon, é que estão no comando da BRF. A Tarpon, aliás, patrocinou a ida de Abilio ao conselho.
É fato que quando a BRF foi criada, os executivos da Perdigão prevaleceram. Mas agora, além do diretor-presidente José Antônio do Prado Fay, saíram seis vice-presidentes: Leopoldo Saboya (finanças), Antônio Augusto de Toni (mercado externo), Nilvo Mittanck, (operações e tecnologia), Luiz Henrique Lissoni (supply chain e lácteos), Wilson Mello (assuntos corporativos) e Nelson Vas Hacklauer (América Latina). Ficaram apenas Gilberto Orsato (recursos humanos) e Ely Mizrahi (food service).
Cláudio Galeazzi virou o CEO global e Pedro Faria, da Tarpon, o CEO internacional. Sérgio Fonseca, ex-Sadia, voltou como CEO Brasil. Augusto Ribeiro Jr, que era da Sadia, tornou-se vice-presidente financeiro. Hélio Rubens, remanescente da antiga Sadia, substituiu Mittanck, e a área de marketing e inovação ficou com Sylvia Leão, ligada a Abilio.
As mudanças nas vice-presidências levaram também a alterações em cargos de direção e gerência. O efeito colateral foi uma debandada de pessoal da área de vendas e marketing para a Seara, controlada pela JBS, segundo pessoas a par das mudanças na BRF. Cerca de 50 pessoas dessa área teriam migrado para a concorrência. O movimento foi tal que Cláudio Galeazzi teria até enviado uma correspondência para Wesley Batista, presidente da JBS, solicitando que a empresa deixasse de buscar empregados na concorrente.
A BRF não comenta essas informações, mas nega, por meio de sua assessoria de comunicação, que existam estudos para mudar o nome da companhia no Brasil ou de suas operações no exterior. Procurada, a JBS não se manifestou.
A ida de ex-funcionários da BRF para a Seara pode ter reflexos negativos para a companhia dona das marcas Sadia e Perdigão. A razão, segundo quem conhece a BRF, é que há uma perda de conhecimento que está sendo transferido para a Seara. Na área de vendas, por exemplo, os agora funcionários da Seara fazem as mesmas rotas e visitas que faziam quando trabalhavam para a BRF, afirma uma fonte. “É uma equipe de vendas com inteligência da BRF”.
A atual gestão da BRF já indicou, de acordo com pessoas próximas à companhia, que os funcionários que saíram da empresa rumo à JBS não poderão voltar.
A JBS também tentou contratar antigos vice-presidentes da BRF, apurou o Valor, mas estes têm restrições, já que em sua saída assinaram um acordo de “non compete”, que os impede de trabalhar em outras empresas de perfil semelhante ao da BRF por três anos.
Além de alteração de pessoal, a BRF também implementou mudanças estratégicas que ainda estão sendo digeridas pelos investidores (ver texto ao lado), como a decisão de transformar a BRF numa empresa mais voltada para o mercado que para a produção. Antes, segundo disse Abilio Diniz inúmeras vezes, a empresa colocava no mercado o que produzia. Agora, passou a produzir o que o mercado necessita.
Essa decisão estratégica, aliás, gerou um dos comentários mais polêmicos de Abilio sobre a gestão anterior da BRF. Em novembro passado, durante encontro para comentar os resultados – fracos – do terceiro trimestre de 2013 da companhia, Abilio disse que a BRF estava “torta” e que a nova gestão estava “desentortando” a empresa.
A afirmação irritou o ex-presidente do conselho da BRF, Nildemar Secches, normalmente comedido em suas intervenções. Secches disse, na ocasião, ao Valor, que a programação da companhia para a produção implicava um “grande planejamento” para antecipar a demanda de mercado, com participação coletiva. ” Não era algo decidido numa sala com cinco sábios”, ironizou Secches à época.
Quem conhece a operação da BRF avalia que as mudanças feitas em algumas áreas da empresa foram tão significativas que interferiram na operação do dia a dia da companhia. Há quem veja “açodamento” nas mudanças na operação, feitas “num processo que estava dando certo”, diz um ex-executivo da empresa. O fato de a BRF ter uma cadeia longa e complexa aumentaria os riscos decorrentes de alterações bruscas, acrescenta. “Não se pode imprimir a um transatlântico a velocidade de uma lancha”, compara outra fonte.
A ideia de tornar a BRF uma empresa mais voltada para o mercado também é um sinal da “Sadização” da empresa, lembra uma fonte, já que essa era uma das preocupações da companhia, que em 2009 quase quebrou após o caso dos derivativos. Os esforços de marketing que a BRF tem feito recentemente, concentrados na marca Sadia, também sinalizariam a intenção de reforçar o papel da marca.
Ainda que a direção da BRF negue estudos para alterar o nome da empresa para Sadia, o Valor apurou que a atual gestão chegou a formar um grupo para levantar os custos de uma eventual mudança, que teria de ser aprovada por uma assembleia de acionistas.
Uma alteração como essa significaria o oposto do que se tentou com a criação da BRF em 2009. A ideia na ocasião, lembra um ex-executivo da companhia, era mostrar que “BRF não era nem Sadia nem Perdigão” e pôr fim à concorrência entre as duas.
A volta do nome Sadia seria uma espécie de revanche para Walter Fontana. Hoje, membro do conselho de administração da BRF, ele era o presidente do conselho quando a Sadia teve de ser vendida para a Perdigão. “Ele nunca conseguiu fazer a passagem da Sadia para a BRF”, diz uma fonte. “Ele tinha isso na cabeça o tempo todo”, afirma outra fonte, numa referência à ideia de ressuscitar a Sadia como empresa. A reportagem tentou contato com Fontana, mas ele não retornou as ligações.