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Frigoríficos

BNDES perderia R$ 2,6 bilhões se deixasse frigoríficos

Trata-se de um prejuízo hipotético, já que banco de fomento não pretende desfazer-se dos papéis, mas perspectivas tímidas de valorização deixam instituição "presa" a essas empresas.

BNDES perderia R$ 2,6 bilhões se deixasse frigoríficos

As “perdas” do BNDESPar, braço de participações do BNDES, com o investimento direto nos maiores frigoríficos do país somam quase R$ 2,56 bilhões. Esse é o prejuízo que o banco de investimento teria se decidisse vender, a preços de mercado, as ações de JBS, Marfrig e BRF-Brasil Foods que mantém em sua carteira, apesar dos ganhos com esta última.

Segundo o Valor Data, essas ações valiam o equivalente a R$ 6,92 bilhões ao preço de fechamento de ontem. Isso significa uma desvalorização de 27% sobre a quantia desembolsada pelo banco, estimada em R$ 9,5 bilhões. O montante desconsidera os R$ 250 milhões investidos em 2008 na compra de 21,8% do capital do Independência, que viraram pó depois que a empresa suspendeu suas atividades e entrou em recuperação judicial em 2009.
 
Mais de R$ 8,1 bilhões, cerca de 85% do total, estão alocados no capital da JBS. Ontem, o quinhão do BNDES na companhia era avaliado em apenas R$ 5,88 bilhões – um prejuízo de R$ 2,21 bilhões ou 27,4%. Outros R$ 982,3 milhões foram aplicados em compra de ações da Marfrig, que valeriam pouco mais de R$ 444 milhões ao preço de mercado – uma perda de R$ 538,2 milhões ou 54,8%. A exceção são as ações da BRF-Brasil Foods, pelas quais o banco pagou R$ 400 milhões em 2009. Ontem, elas valiam R$ 593 milhões – lucro de R$ 193 milhões ou 48,25%.

Trata-se de um prejuízo apenas potencial, já que o BNDES não pretende se desfazer de suas posições e os papéis ainda podem subir. Em contrapartida, a persistência dos preços em níveis baixos e as perspectivas apenas tímidas de valorização deixam o BNDES “preso” aos frigoríficos e estende o horizonte de uma eventual saída.

Em nota, o BNDES afirmou que a estratégia de gestão da carteira de renda variável da instituição é baseada na criação de valor no longo prazo, “observando o período de maturidade dos investimentos e o ciclo peculiar de cada setor” e que o cálculo do valor de mercado das ações, “feito em momento de baixa, não reflete o resultado obtido pelo BNDESPar”. O banco reafirma sua aposta no segmento e assegura que a estratégia de verticalização, agregação de valor e fortalecimento das empresas em regiões com vantagem de custo “continua válida”. “Os ativos terão seu valor reconhecido quando estes investimentos maturarem”.

Os aportes do BNDES nas processadoras de carne começaram há cinco anos, em junho de 2007. Na ocasião, o banco desembolsou R$ 1,13 bilhão na compra de ações da JBS, ao preço de R$ 8,15 por ação. Na mesma semana, investiu R$ 102 milhões na compra de ações no IPO da Marfrig, ao preço unitário de R$ 17. De lá para cá, a presença do banco no setor só fez aumentar. Em 2008, poucos meses antes do estouro da crise financeira nos Estados Unidos, o BNDES colocou mais R$ 988 milhões na JBS (por meio de compras diretas e do fundo de investimento PROT), ao preço de R$ 7,07 por ação, e mais R$ 715 milhões na Marfrig, a R$ 21,50 por ação. Ontem, as ações de JBS e Marfrig fecharam a R$ 5,75 e R$ 9,26, respectivamente. Para Cauê Pinheiro, analista da corretora SLW, o preço-alvo dessas ações em 12 meses é de R$ 7,16 e R$ 11,90.

Contudo, a maior “tacada” do BNDES em 2008 foi a compra de uma participação de 27,1% no capital do Bertin, pela qual desembolsou a bagatela de R$ 2,5 bilhões. O objetivo era reforçar o caixa da empresa, que havia feito uma série de aquisições, e dar sustentação ao seu processo de internacionalização.

O plano fez água em poucos meses. Assolado pela crise, o Bertin, que tinha o capital fechado, encerrou 2008 com um prejuízo de R$ 681 milhões e dívidas de R$ 5,5 bilhões. A solução do BNDES para evitar o que poderia ser um dos maiores fiascos de sua história foi estimular a JBS a incorporar o Bertin, em setembro de 2009. Nesse processo, o BNDES recebeu 250,2 milhões de ações da JBS pela fatia que detinha no Bertin. A JBS não atribuiu um valor nominal a esses papéis. Mas, dividindo-se o valor investido no Bertin pelo número de ações da JBS recebidas, é como se o BNDES tivesse desembolsado R$ 9,99 por cada uma delas.

Em troca dessa ajuda, o BNDES aceitou subscrever o equivalente a R$ 3,5 bilhões em debêntures para apoiar a compra da americana Pilgrim’s Pride, segunda maior processadora de aves do mundo, então em recuperação judicial. Esses títulos seriam conversíveis em papéis da JBS USA, que planejava fazer uma oferta de ações nos EUA. O IPO não aconteceu, e as debêntures foram convertidas em ações da própria JBS, em julho de 2011, ao preço de R$ 7,04 por ação. Com isso, a participação do BNDES saltou de 18% para 31,4%.

O BNDES realizou apenas mais uma compra de papéis da Marfrig, em novembro de 2009. Foram 169,37 milhões para apoiar a compra da Seara, a R$ 19 por ação. Contudo, a estatal já “contratou” uma nova compra. Em julho de 2010, a estatal subscreveu R$ 2,5 bilhões em debêntures obrigatoriamente conversíveis em ações para financiar a aquisição da americana Keystone Foods – uma das maiores fornecedoras globais de processados de carnes para redes de restaurantes como o McDonald’s.

Pelos termos da oferta da debênture, a Marfrig emitirá, em julho de 2015, 102 milhões de novas ações, que serão trocadas pelo preço médio, ponderado pelo volume, dos pregões do último ano de negociação antes da conversão, ao preço mínimo de R$ 24,50. Se os ações da Marfrig não ultrapassarem esse piso, a fatia do BNDES na companhia passará dos atuais 13,9% para quase 24%. Nessa hipótese, o banco estatal faria uma troca desvantajosa, pagando um ágio pelas ações. Até ontem, esse “prêmio” seria de 62% em relação ao preço de mercado.

Uma fonte da Marfrig pondera que a diferença entre o mínimo de R$ 24,50 e a cotação de mercado na conversão do papéis é menor, se considerados os juros pagos ao BNDES. As debêntures preveem o pagamento anual de um cupom, calculado pela variação acumulada da Taxa DI em um ano mais um ‘spread’ de 1%. Com o pagamento desses juros, que devem ultrapassar R$ 1 bilhão até 2015, o preço “real” de conversão ficaria entre R$ 16 e R$ 17 por ação, argumentou a fonte.

As empresas de proteína animal formam o quarto grupo em que o BNDESPar mais investe – cerca de 8,5% de sua carteira de ações – atrás apenas dos setores de petróleo e gás, mineração e energia elétrica. “A decisão de investir em proteína animal foi tomada, entre outros motivos, porque a exposição da carteira da BNDESPar ao setor de alimentos era muito inferior à representatividade que a atividade tem para a economia brasileira”, justificou o banco.

Os aportes nos frigoríficos são alvos de críticas frequentes, não apenas pelos potenciais prejuízos financeiros, mas também pelos efeitos que esses recursos tiveram sobre o mercado. Um empresário do setor argumenta que o “excesso de dinheiro” do BNDES criou “distorções”, estimulando aquisições que, na opinião dele, são ineficientes.

“Do ponto de vista da gestão de carteira foi um desastre. Os investimentos foram feitos no boom, baseadas em projeções excessivamente otimistas. Agora, o governo ficou preso a essas empresas. E vai ficar ainda mais”, argumenta José Carlos Hausknecht, sócio da MB Agro. Ele afirma ainda que a estratégia do BNDES favoreceu a concentração e deixou em dificuldade os pequenos e médios frigoríficos, muitos dos quais ficaram pelo caminho durante os anos de crise. “Isso não foi bom para os pecuaristas, que em algumas regiões ficaram nas mãos de um único comprador”. Ele rechaça ainda o fato de o BNDES financiar empresas no exterior. “O banco está criando concorrentes lá fora, gerando empregos e renda em outros países”.

João Sampaio, vice-presidente de relações institucionais da Marfrig e ex-secretário de Agricultura de São Paulo, rechaça as críticas. “A entrada do BNDES trouxe mais profissionalismo ao setor, impôs novos padrões de governança e responsabilidade socioambiental, que passaram a balizar todo o setor”, afirma.

Antônio Camardelli, presidente da Abiec, a associação que representa os frigoríficos exportadores, afirma ainda que os recursos do BNDES garantiram que plantas de frigoríficos que quebraram na crise de 2008 continuassem a funcionar, nas mãos de empresas mais sólidas. “Sem elas, teríamos uma porta aberta para a clandestinidade. O BNDES trouxe um aumento do padrão de segurança, de legitimidade e legalidade do processo”, afirma.

Ele argumenta que, ao financiar a expansão dos frigoríficos no exterior, o banco permitiu que a indústria brasileira ampliasse suas margens ao atuar em segmentos de maior valor agregado – aos quais não teria acesso se ficasse no Brasil, menos competitivo e prejudicado por barreiras sanitárias e comerciais. “Tivemos um encurtamento da cadeia de lucros.”