As revoltas no mundo árabe não mexeram nas vendas de frango brasileiro para a região. Ao contrário, a BRF (Brasil Foods), terceira maior exportadora do país, planeja ter uma fábrica por lá.
É o que conta o copresidente do conselho da companhia, Luiz Fernando Furlan, 64. Ministro do Desenvolvimento sob Lula, ele fala do tombo fulminante da Sadia, fundada pelo avô em 1944.
O desastre, que ocorreu na esteira de perdas homéricas com investimentos financeiros em 2008, desaguou na fusão da Sadia-Perdigão. O negócio, que completa em maio dois anos, está sob análise do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
Folha – Como estão os negócios com o mundo árabe?
Luiz Fernando Furlan – Aparentemente é um movimento positivo, mas há alguma preocupação. Os negócios estão normais. Essa região, na qual somos líderes, representa mais de 20% das nossas exportações.
Não há fábricas na região?
Ainda não, mas está entre os projetos prioritários. Temos terreno nos Emirados Árabes, mas não definimos. Há tratativas com a Arábia Saudita. Analisamos a possibilidade de aquisições.
Real sobrevalorizado também explica o movimento?
É. Dólar é um fator grave. Sofremos menos porque vendemos produtos cujas matérias-primas subiram muito. Como subiu para todos, houve natural reajuste dos preços das proteínas animais.
Investimentos no exterior têm a ver com o câmbio?
Não. É uma decisão estratégica. Avaliamos países na América Latina, talvez uma aquisição. Aí o dólar ajuda. Investir no exterior ficou mais barato e os ativos lá fora estão mais em conta.
Essa ampliação no exterior terá impacto aqui?
Não. Somos o maior empregador privado brasileiro. Temos muitas vagas em aberto, porque em algumas regiões há pleno emprego.
Isso tem reflexo nos salários?
Tem. Há o esforço de automatizar áreas onde não se consegue contratar, como na desossa de frangos. Colocamos em marcha várias fábricas, duas em PE. Fomos ao encontro do consumo. O NE foi onde mais crescemos.
Por que os preços das commodities dispararam?
As commodities estavam muito defasadas. China, Índia e outros passaram a comer mais proteína. Houve um choque de demanda e os estoques ficaram baixos.
A especulação tem muita influência nessa alta de preços?
Tem. De um patamar para cima. As commodities ficarão em patamar mais alto que a média dos últimos dez anos, mas abaixo dos índices de hoje. A Bolsa de Chicago negocia 20 vezes a produção global. Muita gente ganha dinheiro. Como os juros caíram no mundo, os fundos foram para ouro, moeda, commodities, para ter rentabilidade.
A alta das commodities tem influência nos seus custos, certo?
Sim. Mas a empresa é beneficiada pela geolocalização. Temos produção grande no Centro-Oeste, que é o celeiro de grãos.
A empresa dita os preços nessas áreas, não?
Não, pois competimos com quatro múltis e as cooperativas. As quatro mandam no mercado global: ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus.
Como é a concorrência com as multinacionais?
A consolidação é inexorável no mundo. Não tememos a concorrência. Mas sabemos que seremos ou o consolidador ou alvo de consolidação. Com a união Sadia-Perdigão, passamos a ter porte global de estar entre os grandes.
Como está a Sadia depois da queda? E a integração com a Perdigão?
A integração vai bem. Quando aconteceu a crise da Sadia, eu estava no Japão. Um acidente nunca tem uma origem só. O gerente de risco foi ver as finais do US Open. A reunião do comitê de finanças foi adiada. As coisas ocorreram em oito, dez dias, quando quem tinha de estar de prontidão não estava.
Mas a Sadia já investia desse jeito no mercado financeiro havia muito tempo, não?
Mas dentro de regras, de limites. Há questões na Justiça. Prefiro não falar.
O sr. preferia o auxílio do BNDES a se fundir com a Perdigão?
O sonho de juntar as empresas era antigo. Tínhamos outros caminhos. Tivemos propostas de fundos internacionais, fundos soberanos com interesse estratégico.
Quais eram as opções?
Ir para o rumo de financiamento, admitir um sócio capitalista ou buscar a junção das duas empresas.
Financiamento via BNDES? O sr. pediu ao presidente?
Estávamos vendo muito mais na área internacional. Não pedi a Lula. Tive reuniões com Luciano Coutinho. O BNDES tinha interesse. Aquele negócio: faz-se o planejamento e tem um acidentezinho de percurso. Se não tivesse o acidente dos derivativos, não teria problema.
Como estão a fusão e o caso com o Cade?
Desenhamos estrutura que não pôde ser totalmente implementada em razão de restrições do Cade. As empresas andam em paralelo, a não ser em áreas autorizadas. O que é “core” está separado. Há custos redundantes.
Qual sua expectativa? Agora seu primo [Fernando Furlan] preside o Cade, embora ele já tenha se declarado impedido de atuar no caso.
Meu primo é funcionário de carreira. Foi meu chefe de gabinete quando fui ministro. Tem carreira brilhante. Espero que o assunto entre na fase madura, que comece um diálogo. O parecer da Secretaria de Assuntos Econômicos foi pela aprovação da operação com exigências.
Sim, mas a empresa poderá ter que se desidratar, não?
Algumas coisas fazem sentido, outras não. Uma exigência seria vender unidades em MT. Para mim, não faz sentido. Mas o relator estudou e vai levar para um diálogo que seja construtivo, para não desaguar um processo desses na Justiça comum.
Em muitos setores a BRF teria mais de 20% do mercado.
Não sou especialista nisso. A associação é feita para crescer. Neste ano, queremos crescer mais de 10%.
Qual a importância do consumo sem agrotóxicos, sem antibióticos?
Trabalhamos muito nisso. Somos certificados por diversas instituições internacionais com ótimos níveis. Se eu puder, como frango todo dia. Vai dizer para mim que frango tem hormônio? Então eu devia já ser “hormonado” há muito tempo.
Não há exagero no uso de agrotóxico? Ele aparece em leite materno, como em Lucas do Rio Verde [onde está a BRF].
A tendência é reduzir, pois agrotóxico é caro e perigoso.
E o movimento contra o consumo de carnes?
É crescente e localizado em sociedades mais sofisticadas. Mas há uma demanda de gente que não comia e está comendo.