Não é novidade que a ascensão econômica da população dita as regras do mercado em geral. Na indústria de carnes esse processo é o mesmo. Por isso, cada vez mais empresas têm investido em pesquisas de marketing. O projeto Brasil Food Trends 2020, parceria entre o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), mostra, por exemplo, o comportamento de consumo alimentar do brasileiro de hoje e traça as tendências para os industrializados. Esse projeto, tanto em análise de resultados quanto tecnologia, tem como objetivo fomentar a competitividade do setor alimentício, principalmente nos mercados emergentes. O coordenador técnico da Plataforma de Inovação do Ital, Raul Amaral Rego, explicou durante o 1° Fórum sobre Tendências e Inovações para as Indústrias de Carnes, ocorrido no dia 23/08 durante a feira TecnoCarne 2011 em São Paulo (SP), que esses mercados miram a exportação e, para isso, é necessário gerir a cadeia de modo a tornar os produtos atrativos e com qualidade ao consumidor. “Para atingir a população, é necessário ter foco e pé no chão quanto a diversos fatos. Baseado nisso, o Brasil Food Trends determinou cinco grupos de tendências referenciais validados por centros internacionais”, ressalta. De acordo com Amaral Rego, são elas:
> Sensorialidade e Prazer: alimentos premium, étnicos, gourmet etc.
> Saudabilidade e Bem-estar: produtos light/diet, energéticos, fortificados etc.
> Conveniência e Praticidade: pratos prontos, produtos para micro-ondas etc.
> Confiabilidade e Qualidade: garantia de origem, selos de qualidade etc.
> Sustentabilidade e Ética: embalagens recicláveis, selos ambientais etc.
De acordo com o coordenador técnico, os aspectos valorizados pelo consumidor serão o motor da cadeia produtiva na próxima década. “A ascendência da classe C fez com que produtos premium ou gourmets fossem valorizados. Existe uma forte tendência ao consumo destes, assim como os lights, que são considerados mais saudáveis”, explica. A crença brasileira na medicina preventiva também levou os alimentos funcionais ao destaque. “Houve crescimento de 89% no consumo destes de 2004 a 2009 e, até 2014, tende a aumentar mais 39% no País”, afirma Amaral Rego. Os funcionais, também chamados de nutracêutricos, são aqueles que colaboram para melhorar o metabolismo e prevenir problemas de saúde. Cientistas já reconhecem as propriedades funcionais de muitos desses alimentos, porém os estudos ainda não são conclusivos.
O mito que conservantes e agrotóxicos contém elementos cancerígenos são outros pontos a serem trabalhados pela indústria. “A purificação dos alimentos é uma técnica bastante valorizada no exterior. São linhas ‘all natural’, que trocaram aditivos sintéticos por naturais”, ressalta o coordenador. Assim como o enaltecimento do natural, a sustentabilidade e preservação do meio ambiente são características adotadas com sucesso pela indústria alimentícia. “Pesquisa realizada pela Fiesp em parceria com Ibope revelou que 29% dos entrevistados pagariam mais por alimentos produzidos através de práticas sustentáveis e 51% afirmaram que, dependendo do produto, talvez pagassem”, destaca Amaral Rego.
Desafios – Os desdobramentos apresentados pelo projeto Brasil Food Trends 2020 se baseiam numa relação ganha/ganha entre consumidor e indústria de alimentos. A pesquisadora científica do Centro de Tecnologia de Carnes (CTC) do Ital, Ana Lúcia Correa Lemos, explica que pesquisa e marketing são as chaves para abertura de mercados. Os resultados da Fiesp/Ibope indicam que o brasileiro está cada vez mais interessado em alimentos práticos, mas sem descartar o sabor. “Ainda existe uma certa confusão em relação aos industrializados. Os embutidos, por exemplo, não são reconhecidos pelo consumidor nessa categoria”, afirma Lemos. Os pratos prontos ainda são vistos com certa desconfiança e cabe à industria, em parceria com grupos de pesquisa, aprimorá-los equalizando os quesitos sabor versus praticidade.
“Foco na faixa etária, apresentação e conteúdo são os desafios enfrentados pelo setor. Vale investir em embalagem, matriz do alimento, porção, estabilidade, processo térmico, tecnologia e viabilidade”, acrescenta a pesquisadora. Além disso, uma consultoria técnica certamente fará diferença. “Temos que ligar os setores de Pesquisa e Desenvolvimento com o Marketing, Linha de Produção e Equipamentos, formando um elo forte que conquiste o paladar do consumidor final”, determina.
Assista a declaração de Ana Lúcia.
Mercados – A crise que atinge países da Europa e Estados Unidos diminui o consumo e as exportações de carne e alimentos em geral. “Quando a economia dos países pagadores é afetada, os emergentes tendem a recuar”, explica o economista e pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea / USP), Thiago Bernardino de Carvalho.
O cenário econômico mundial atual apresentado por Carvalho aponta uma tímida recuperação brasileira, ressalta a crise europeia, principalmente na Grécia e ‘PIIGS’, composto por Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha; o terremoto que abalou o Japão, e que levou o país à despender gastos; os confrontos pelo petróleo entre Egito e Líbia; inflação chinesa e abertura de mercado; crescimento econômico e fluxo de capital. Todas essas características, de acordo com o pesquisador, colocam o Brasil em evidência, já que está afastado de conflitos e é um grande player para alimentação, base para vida humana. “Temos grande área agricultável, além da água, que é fundamental na produção de proteína. A pergunta é onde o produtor e a indústria de carnes devem investir?”, completa.
Para se guiar, os principais drivers a serem levados em consideração são:
– Orientação crescente do consumidor
– Intensificação tecnológica (genética, manejo, gestão, logística)
– Foco na sanidade, no ambiental, na qualidade e na padronização
– Preocupação com a redução do ciclo produtivo e dos custos de produção
– Visão de responsabilidade coletiva para ofertar carne de valor e preservar a imagem do setor
“O olhar da indústria para o consumidos certamente é tendência e, a partir dele, as inovações devem ser alcançadas. Sem deixar para trás questões que envolvem o governo e os gargalos do setor. No que diz à política, acredito que o salário mínimo do produtor rural deveria ser desvinculado, que um salário fixo fosse determinado à mão-de-obra evitando crise e abandono de profissão. Já a indústria deve se focar em produzir mais com menos”, avalia o pesquisador. “Para tanto, existem três caminhos: países produtores devem acelerar investimentos em capital humano; investir em tecnologia e infraestrutura (armazéns, portos e estradas)”, finaliza.