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Comentário Avícola

Ciência da Construção Aplicada a Galpões de Frangos de Corte - por Marcus V. A. Bianchi

A construção de edificações é praticada há milênios muito antes do desenvolvimento de conceitos formais de engenharia que hoje se aplicam aos modernos processos construtivos.

Ciência da Construção Aplicada a Galpões de Frangos de Corte - por Marcus V. A. Bianchi

A construção de edificações é praticada há milênios muito antes do desenvolvimento de conceitos formais de engenharia que hoje se aplicam aos modernos processos construtivos. Via de regra edificações são construídas para separar os indivíduos dos elementos climáticos externos, principalmente a água (chuva, neve), o vento e o sol. Ciência da construção é um conjunto de conceitos científicos que visam a análise e o controle de fenômenos físicos que afetam edificações. O objetivo é obter o desempenho da edificação para proporcionar um ambiente interno confortável, durável, saudável, seguro e eficiente.

Por que escrevo eu sobre isto, quando o assunto é galpões industriais de frangos de corte? A aplicação dos conceitos de ciência da construção em edificações habitadas por não-humanos é recente, mas trata-se apenas de um caso especial do conjunto geral de edificações. Também neles, como fazemos os profissionais em ciências da construção, há que se analisar os fluxos de ar, calor, água e vapor para garantir conforto, durabilidade, saúde, segurança e eficiência.

  • Ar: Um galpão moderno conta com escoamento forçado de ar gerado por exaustores no final do galpão. Todas as infiltrações que acontecem na parede ou no teto do galpão devem ser consideradas, inclusive as criadas pela presença de inlets.
  • Calor: Há duas grandes fontes de calor em um galpão: os próprios frangos e o calor absorvido pelo telhado e reirradiado para dentro do galpão. Para que os frangos não aumentem de temperatura, é preciso remover este calor através de convecção para o ar via ventilação e, se esta não for suficiente, por evaporação.
  • Água: Entra no galpão nos evaporadores usados para reduzir a temperatura do ar na entrada e nos bebedouros. Parte da água vai para a cama através dos excrementos dos frangos. Vazamento de telhado e condensação de vapor no telhado ou na lona também têm que ser considerados.
  • Vapor: Há processos evaporativos nos evaporadores, na cama e nas vias respiratórias das aves. O ideal seria que este vapor gerado fosse retirado pelos exaustores.

Além destes fluxos, que são comuns em casas e edifícios comerciais, há que se considerar também a amônia gerada na cama, que afeta o desempenho do galpão. Todos os fluxos são relacionados e precisam ser analisados em conjunto.

Nos próximos meses procurarei tratar de assuntos diversos relacionados a galpões de frangos e a ciências da construção nesta coluna. Sendo este o primeiro artigo, inicio então discutindo os fluxos globais de calor que acontecem em um galpão. Há duas principais fontes de calor em um galpão industrial de frangos de corte: o calor gerado pelos frangos e a radiação infravermelha que é originada nas superfícies internas do galpão, principalmente no telhado ou na lona. Os frangos precisam manter uma temperatura interna fixa, em torno de 41°C, de forma que todo o calor que entra no galpão precisa ser removido para evitar aumento de temperatura em climas quentes. A remoção do calor se dá através da ventilação mecânica (ou natural em galpões mais antigos) e da evaporação através das vias respiratórias das aves. O balanço energético de um galpão de frangos (sempre após o período inicial) é mostrado na Figura 1.

 

Figura 1. Balanço energético em um galpão de frango de corte

O calor gerado por cada frango tem a ordem de grandeza de 10 W. Dependendo das dimensões do galpão e da densidade[1] de frangos há em torno de 30.000 aves em cada galpão que geram cerca de 300.000 W[2].

Após o sol nascer, o telhado começa a aquecer e a radiação interna sobre os frangos aumenta. Esta radiação infra-vermelha é invisível mas não é desprezível. No horário de pico, ela pode ser bem maior do que o calor gerado pelos frangos. O fluxo de calor por radiação depende da temperatura do telhado que por sua vez depende da cor do telhado (cores mais escuras absorvem mais a radiação solar), das condições de vento fora do galpão, e das trocas de calor abaixo do telhado. Estratégias que diminuem a carga térmica por radiação incluem telhados frios (altamente refletivos), isolamento térmico abaixo do telhado e barreiras radiantes. A Figura 2 mostra um diagrama esquemático das trocas de calor como um todo.

 

Figura 2. Diagrama esquemático das trocas de calor no galpão.

Um detalhe importante é que a radiação térmica é dissipada do telhado para todas as superfícies visíveis do telhado, incluindo aí os frangos. O ar, que pode estar se movendo bem rapidamente, é transparente para a radiação de forma que não a absorve. Os frangos absorvem a radiação, aumentando assim o estresse térmico. Os frangos perdem calor por convecção para o ar e por evaporação nas vias respiratórias[3] para o ar. Assim, o ar que deixa o galpão tem uma temperatura mais elevada do que entrou e uma umidade absoluta também maior.

Ao se examinar a Figura 1, podemos concluir que seria possível diminuir o estresse térmico:

  • 1. Diminuindo o calor gerado: há estratégias de diminuição de atividade dos frangos, como é o caso de dark house.
  • 2. Diminuindo a emissividade ou a temperatura das superfícies internas, principalmente as adjacentes ao telhado: o uso de superfícies metálicas reduz a radiação, mas tais superfícies têm que ser mantidas limpas para funcionar. O uso de isolamento térmico reduz a temperatura da superfície interna, reduzindo a radiação.
  • 3. Aumentando a convecção para o ar: é possível diminuir a temperatura do ar do galpão usando processos evaporativos (cooling pads)[4] e aumentar a velocidade do ar para aumentar a troca de calor. Há um limite para o aumento da velocidade do ar[5].
  • 4. Aumentando a evaporação para o ar: para tal seria necessário desumidificar o ar que entra no galpão; fazemos exatamente o contrário com o uso de processos evaporativos.

Há possibilidades interessantes para aumentar a produtividade e o bem-estar das aves em galpões industriais de frangos de corte através de modificações do projeto de galpões industriais. Nos próximos meses procurarei explorar idéias e conceitos que se aplicam à ambiência de frangos de corte do ponto de vista de ciência da construção. Falarei de sensação térmica, de como funcionam barreiras radiantes, isolamentos térmicos, entre outros assuntos. Aceito sugestões (e críticas) dos leitores, que podem ser encaminhadas abaixo pelos comentários.

Marcus V. A. Bianchi, Ph.D., P.E., Líder de Ciências da Construção (Building Science) na Owens Corning.
Antes de trabalhar para a Owens Corning, Bianchi foi engenheiro senior do National Renewable Energy Laboratory (Golden, CO), onde ele trabalhou para o Departamento de Energia dos Estados Unidos em pesquisas relacionadas à remodelagem de edifícios residenciais para a diminuição do consumo de energia. Ele ainda trabalhou em ciências da construção na Johns Manville e eficiência energética de ar condicionado em edificações comerciais. Bianchi foi professor de engenharia mecânica da Colorado School of Mines, Colorado, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Purdue University, Indiana.
Ele é formado em engenharia mecânica pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), possui mestrado  em engenharia mecânica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutorado em engenharia mecânica na área de transferência de calor de Purdue University. Ele é engenheiro profissional do estado do Colorado.


[1] Sempre se quer aumentar a densidade para aumentar o rendimento do galpão, de forma que aumenta-se junto com esta o calor gerado.

[2] É bastante! Imagine que é o equivalente a 3.000 lâmpadas de 100 W ligadas ou a 60 chuveiros elétricos de 5 kW.

[3] Já ouvi falar de produtor que molha os frangos com mangueira num dia muito quente. Neste caso, a evaporação também se dá na superfície do frango. A este engenheiro mecânico tal procedimento parece pouco ortodoxo.

[4] Uma alternativa seria utilizar condicionamento de ar por meios mecânicos, mas a carne de frango teria que custar muito mais no supermercado para justificar tal delírio.

[5] Vento excessivo causa desconforto aos frangos.