Se a Cargill fez um bom negócio ao se desfazer de uma divisão endividada e que não integrava o seu principal negócio (a comercialização e o processamento de grãos), o Marfrig, adquirindo a Seara, ganhou porte para competir em pé de igualdade nos mercados interno e externo com a Brasil Foods (BRF), empresa resultante da associação entre Perdigão e Sadia, disseram especialistas.
“Os caras estão criando a ‘BRF 2, A Missão’, porque é muita aquisição ao mesmo tempo. Você já viu o que é ter a Seara, a número 3 em frango e suíno (no Brasil), somando isso ao que o Marfrig já comprou?”, indagou Osler Desouzart, consultor do setor e ex-executivo de Sadia e Perdigão.
A diferença em relação à BRF, notou ele, é que este seria um negócio mais bem estruturado, considerando que o Marfrig, embora menor que a Brasil Foods, já conta com uma boa estrutura de produção no exterior, além de importantes ativos em carne bovina.
“Nesse aspecto, a BRF está atrasada. Ela não tem operações de produção internacional, a Marfrig tem: comprou empresas italianas, argentinas, uruguaias. O próprio grupo JBS tem presença de produção. A única que não tem é a BRF”, ponderou o consultor.
Nos últimos anos, o Marfrig se tornou uma das mais diversificadas empresas de proteína animal do País, com atuação até em ovinos, a partir de uma plataforma inicial de produtor e exportador de produtos bovinos, com aquisições, além do Brasil, na Argentina, Uruguai e Europa.
Entre as compras, destaca-se a dos ativos do grupo OSI, em 2008, no Brasil e no exterior, especialmente no Reino Unido, num negócio de 680 milhões de dólares.
Com essas e outras, a receita líquida do Marfrig quase dobrou para 2,4 bilhões de reais no segundo trimestre de 2009, em relação ao mesmo período do ano passado.
Corretoras como a Ativa e a Brascan avaliaram como positivo o negócio, lembrando que a Seara está alinhada com a estratégia de diversificação do Marfrig.
“Com isso, a empresa se consolida como o segundo maior player de aves e suínos brasileiro e um dos maiores do mundo”, afirmou a Ativa, ressalvando apenas o fato de haver um potencial de pressão no curto prazo para o Marfrig, devido à possibilidade de emissão de ações.
A Brascan considerou atrativo o valor do negócio, de 900 milhões de dólares, incluindo dívidas de quase 200 milhões de dólares.
“Adicionalmente, acreditamos que o momento da aquisição seja bastante favorável para a Marfrig, visto que a empresa ganha porte para competir e ganhar mercado da Brasil Foods, firmando-se como o segundo maior player no mercado interno e de exportação de aves e suínos e um dos maiores do mundo”.
Salto ao exterior – O negócio entre Marfrig e Seara ainda precisa ser aprovado por órgãos reguladores no Brasil e exterior, assim como a BRF aguarda aprovação.
Mas uma consolidação dessas empresas vai deixar na mão de duas companhias cerca de 40% do abate de frangos do Brasil, quase todo o mercado de perus.
Marfrig e Seara, juntas, teriam hoje uma capacidade de abate de mais de 800 milhões de frangos ao ano, cerca de metade da BRF, e um poder de abate de 3,6 milhões de suínos, contra 10 milhões da empresa resultante da Perdigão e Sadia.
“Digo que isso vai concentrar a tal ponto que três empresas vão deter mais de 50% em cada mercado nacional, e quando elas detiverem mais de 50%, é mais negócio internacionalizar do que buscar 1 ponto percentual a mais na sua empresa”, destacou o analista, ponderando também que o Brasil, quarto mercado mundial de carnes, é um dos locais com maior potencial para crescimento.
E, fortalecidas, não bastará a essas empresas, que já teriam mais de 50% das exportações brasileiras de carne de frango, contar apenas com uma plataforma exportadora.
“Vai ter que ter plataformas de produção, terminação e de distribuição fora do Brasil, para continuar sendo um player global”, disse Desouzart, lembrando que junto com a Seara o Marfrig comprou quotas de exportação/importação da Cargill, a partir do Brasil para diversos países.
Cargill – A Cargill informou por e-mail que estava “no meio de uma profunda revisão da estratégia do plano de negócios da Seara quando o Marfrig manifestou grande interesse em adquirir a operação. Mas a gigante norte-americana do setor agroindustrial reiterou que a venda não altera seu compromisso de crescimento contínuo em seus negócios de carne em diversas regiões do mundo.
Mas o analista Desouzart, da OD Consulting, destacou que essa não é a primeira vez que ela sai do negócio de carnes no Brasil, tendo feito um bom negócio ao vender a Seara, adquirida em 2005. “Uma empresa como Cargill, o núcleo do negócio é grão, uma operação de frango e suíno é estranho no ninho…”
“Agora também pode ter sido uma bela jogada da Cargill, primeiro uma jogada financeira. Ela comprou aquele asset pra revender, porque a Seara estava praticamente nas mãos da Tyson”, comentou o analista.