Chacoalhada nos últimos 15 dias por aquisições, incorporações e arrendamentos anunciados por JBS e Marfrig, a cadeia de carne bovina inicia a semana atenta aos processos de recuperação judicial de atores relevantes no mercado. Como a tristeza de alguns pode ser a alegria de outros, analistas acreditam que os processos de recuperação em curso podem influenciar o ritmo de consolidação do segmento, que começou no Plano Real e ganhou força nesta década.
O processo cujo desfecho é mais aguardado no mercado é o do Independência, que estava entre os maiores do ramo antes de entrar de pedir recuperação, em maio. A empresa tem dívidas totais da ordem de R$ 3 bilhões, R$ 194 milhões dos quais apenas com pecuaristas. Ao todo, segundo a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), são credores da companhia 1.524 pecuaristas de cinco Estados (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Minas Gerais e Goiás).
Como já informou o Valor, o Independência pretende obter de seus credores, que hoje se reúnem em assembleia geral no município de Cajamar, aval para a criação de uma nova empresa, a Nova Independência S.A., para a qual seriam transferidos seus ativos operacionais. Ela também herdaria cerca de R$ 1,1 bilhão das dívidas totais, enquanto o restante ficaria com a companhia existente. Com os pecuaristas, o Independência tem esperança de negociar um valor máximo para pagamento imediato.
Se depender da Comissão dos Credores dos Frigoríficos em Recuperação Judicial de Mato Grosso, criada pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso e presidida por Marcos da Rosa, contudo, isso não vai acontecer. A posição da comissão é clara: pagamento de 100% da dívida com os pecuaristas com data, juros e correção monetária definidos. “Não vamos abrir mão disso”, diz ele em nota distribuída pela Acrimat na semana passada.
“Os criadores estão unidos, e a proposição incluída no plano da empresa está muito distante do que eles querem”, afirma Sergio Emerenciano, advogado do escritório Emerenciano, Baggio e Associados. Neste caso, a banca representa credores com um valor total de R$ 12 milhões a receber. Emerenciano reconhece, ainda, que o caso é complexo e que não acredita que tudo será resolvido na assembleia de hoje.
Ainda que seja o maior, o processo de recuperação do Independência não é o único que preocupa os pecuaristas. Conforme a Acrimat, os processos de recuperação dos frigoríficos paulistas Quatro Marcos, com sede em Jandira, e Arantes Alimentos, de São José do Rio Preto, também merecem atenção especial. O do Arantes deve demorar mais por conta de diversas mudanças de comarca, num giro que lhe valeu a alcunha de “recuperação itinerante” nos bastidores dos tribunais. “Só que nesse ‘passeio’ a empresa ganhou seis meses”, afirma um credor que acompanha o processo.
O caso da Arantes tem relação direta com o da IFC, empresa especializada em “beef jerky” cujo plano de recuperação judicial já foi aprovado pelos credores. Isso porque a IFC havia arrendado suas linhas de produção em Itupeva, também em São Paulo, para a Arantes, e a reintegração dessas linhas ainda rende disputa na Justiça, apesar de a IFC já estar operando em escala reduzida.
Ainda nesta semana, em Cuiabá, haverá mais uma assembleia de credores do grupo Redenção, também conhecido como grupo Bihl, que em março deste ano entrou com um pedido de recuperação conjunto para suas nove companhias controladas, com dívidas totais (incluídas na recuperação) de cerca de R$ 80 milhões. O mesmo escritório que defende o grupo de credores no processo do Independência representa o conglomerado mato-grossense neste caso.
Também estava agendada para amanhã a primeira assembleia de credores do Frigoestrela, com sede em Estrela D’Oeste, interior paulista, mas ela foi adiada para o dia 13 próximo mês de novembro. São mais R$ 300 milhões em dívidas.
Todas essas companhias em recuperação judicial são apontadas por especialistas como passíveis de serem adquiridas, incorporadas ou de terem unidades arrendadas. Na semana passada, por exemplo, a Marfrig, entre outros negócios, fechou o arrendamento de cinco unidades do frigorífico Margen, outro que pediu recuperação. Mas os mesmos analistas ponderam que, em muitos casos, as intrincadas complicações do processo de recuperação podem afugentar grupos interessados.