Problemas conjunturais no setor de carne bovina – agravados pela crise financeira internacional – levaram Marfrig e Bertin a conversações visando a uma possível fusão patrocinada pelo BNDES. Segundo apurou o Valor, as duas empresas mantiveram conversas nos últimos meses. O objetivo das companhias com uma eventual fusão é se fortalecer e se blindar em um momento de incertezas na economia.
Ambas estão bastante alavancadas após um período de crescimento via aquisições e fecharam o último ano com perdas. A Bertin S.A, que tem capital fechado, encerrou 2008 com prejuízo de R$ 681 milhões e dívidas de R$ 5,5 bilhões. Já a Marfrig, com ações listadas na bolsa, teve perda de R$ 35,5 milhões e sua dívida bruta ficou em R$ 4,3 bilhões em 2008.
Procurada, a Marfrig disse, por meio de sua assessoria, que “não comenta rumores de mercado”. A Bertin S.A divulgou nota dizendo que “a informação de que estaria em curso uma negociação para sua fusão à Marfrig não é verdadeira. Não há nenhum movimento da companhia neste sentido”.
Um executivo que participou de uma das conversas entre as duas empresas diz que a Bertin precisa buscar uma solução para sua alavancagem elevada. Senão com o Marfrig, com qualquer outro frigorífico. Em uma eventual transação entre os dois frigoríficos, analistas acreditam que seria necessária a participação financeira do BNDES. O braço de participações do banco de fomento já tem fatia relevante no capital das duas companhias: 26,9% na Bertin e 14,66% na Marfrig.
Na visão de um banqueiro, caso as conversas entre Marfrig e Bertin prosperem, um desenho provável seria a incorporação da Bertin pela Marfrig, em que os acionistas do primeiro tornariam-se acionistas muito relevantes da empresa resultante, talvez até no controle. Já a BNDESpar consolidaria sua participação na nova companhia, conforme outro executivo.
Em seminário sobre as perspectivas para o setor de carne bovina na semana passada, o diretor de relações com investidores da Marfrig, Ricardo Florence, disse, quando questionado sobre o tema, acreditar que o BNDES pode colocar mais recursos no setor.
Para uma fonte próxima às duas empresas, a união é “plausível”, embora as famílias controladoras, Molina na Marfrig e Bertin na Bertin, tenham filosofias diferentes, o que poderia comprometer a negociação.
A crise no setor de carne bovina no país – por conta da escassez de matéria-prima (boi), excesso de capacidade instalada e queda nas exportações – tem derrubado importantes players do setor. Seis grandes empresas já pediram recuperação judicial, entre elas o frigorífico Independência, que chegou a ter conversas com o Bertin, mas sem avanços, segundo essa mesma fonte. O Independência manteve ainda conversas com a JBS, que também não vingaram.
Banqueiros de investimento dizem que todos têm conversado com todos dentro do setor de carne bovina, já que o movimento de consolidação é inevitável e praticamente todas as empresas estão altamente alavancadas. “É um setor em que os clientes são grandes e os fornecedores também, logo os frigoríficos também precisam crescer”, diz um banqueiro. Além disso, o produto é uma commodity, que requer escala em sua operação.
A alavancagem elevada é um dos maiores problemas do setor porque nos últimos anos as empresas se endividaram para ampliar a produção e o faturamento. No caso da Bertin, segundo fontes do mercado, há outro fator. A controladora da Bertin S.A também atua em outras áreas, como biocombustíveis e infraestrutura, que vêm enfrentando uma conjuntura ruim.
Para o BNDES, os setores de frigoríficos e de etanol são passíveis de consolidação dado o impacto da crise econômica sobre a demanda dessas duas cadeias produtivas. Em março, em entrevista ao Valor, Eduardo Rathfingerl, diretor da área de mercado de capitais do banco, afirmou que há dois anos o banco vem apoiando frigoríficos por considerar que o setor tem “inegáveis vantagens comparativas”. Além de fatias na Bertin e na Marfrig, o banco também tem participação na JBS e no Independência. Neste último, adquiriu 13,89% do capital em novembro passado. Quando o Independência pediu recuperação judicial em fevereiro deste ano e paralisou as operações, o banco de fomento suspendeu um segundo aporte de capital que faria na empresa.
Procurado para falar sobre as conversas entre Bertin e Marfrig, o BNDES informou que não se pronunciaria sobre o assunto.
Apesar de serem mais conhecidos pela atuação em carne bovina, Marfrig e Bertin se diversificaram bastante nos últimos dois anos. A Bertin entrou em lácteos com a compra da Vigor e a Marfrig, em aves e suínos com a aquisição das operações da americana OSI no Brasil e Europa.