O desenvolvimento econômico global e o crescimento da população, combinados com as mudanças climáticas, deverão levar a uma grave escassez na oferta de alimentos no mundo em algumas décadas. Essa previsão catastrófica, verdadeira ou não, motiva países a promover atualmente uma verdadeira corrida de bilhões para adquirir terras férteis pelo planeta e, assim, garantir seus suprimentos no longo prazo.
Nesse cenário, o Brasil passou a ter seu território cada vez mais cobiçado por empresas estrangeiras – e nossas empresas também começaram a ficar de olho em oportunidades mundo afora. No fim de semana que passou, por exemplo, uma comissão chinesa esteve em excursão pelo norte do Mato Grosso para, entre outros projetos, avaliar terras para produção de grãos a serem exportados para a Ásia.
O governo não tem uma conta certa, mas estimativas conservadoras apontam que uma área equivalente a quase a extensão dos Estados de Sergipe e Alagoas somados já esteja na mão de estrangeiros. Um indício prático disso: na última safra, pela primeira vez o maior produtor de soja do país foi um grupo estrangeiro, o argentino El Tejar.
Desde agosto de 2010, porém, um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) impediu qualquer venda de terras maiores do que 5 mil hectares no Brasil a estrangeiros, o que inclui empresas nacionais com controladores de fora do país. A AGU determinou também que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) faça um levantamento nos cartórios para identificar se o capital dos donos das terras tem origem internacional.
Da água para o vinho, o fluxo constante de investimento estrangeiro direto (IED) para produção rural no país transformou-se numa interrupção que já teria travado até US$ 60 bilhões em investimentos, segundo entidades ruralistas. O IED é relevante, entre outros motivos, para sustentar os superávits comerciais do Brasil, que tem nas commodities agrícolas parcela relevante das suas exportações.
Assunto é pauta mundial – No início de outubro, uma reunião da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) – presidida pelo brasileiro José Graziano – em Roma deverá definir novas diretrizes mundiais sobre como os países devem lidar com essa corrida por terras férteis – conhecida como “land grabbing” no mundo.
A FAO se debruça sobre o tema porque essa corrida não ocorre apenas no Brasil. No mês passado, por exemplo, uma comitiva do governo de Moçambique esteve aqui justamente oferecendo suas terras a preços módicos para os nossos produtores diversificarem os locais de produção. É na África onde essa corrida é mais agressiva. Resultado: uma comitiva nacional está com viagem marcada para Moçambique e países vizinhos.
Além da FAO, organizações não-governamentais de porte mundial também têm tratado do assunto. A Oxfam, por exemplo, entende que a compra de terras estrangeiras tem levado a um impacto devastador na vida de pessoas pobres e marginalizadas.