Uma nova versão do método BRLUC (Brazilian Land Use Change) disponibiliza dados de pegada de carbono de vários produtos agropecuários em nível municipal para todo o Brasil. Os dados disponibilizados são sobre o processo de “Mudança no uso da terra” (Land use change ou LUC em inglês), que podem responder por até 90% da pegada de carbono destes produtos e que foi responsável por aproximadamente 66% das emissões de CO2 no Brasil em 2020.
A contabilização da mudança de uso da terra é requerida na grande maioria dos protocolos internacionais de pegada de carbono e de avaliação do ciclo de vida (ACV), como o GHG protocol e normas ISO sobre o tema. Em geral, eles requerem que, no estudo de um determinado produto, sejam observados qual era o uso da terra 20 anos antes e qual a diferença de estoque de carbono entre esse uso anterior e o uso atual.
Por exemplo, se o objetivo do estudo é levantar a pegada de carbono de algum produto agrícola e o uso da terra no local de produção era floresta ou pastagem há 20 anos, é necessário contabilizar esta diferença de estoque de carbono e as emissões de CO2 decorrentes desta mudança de estoque. “Os estoques de carbono de uma floresta podem ser até sete vezes maiores que os de uma lavoura. Então, se essa conversão ocorreu no período de 20 anos, as emissões podem ser muito altas”, explica Danilo Garofalo, bolsista de inovação da Embrapa Meio Ambiente e primeiro autor do estudo.
“O ideal nestes estudos é o levantamento de dados em nível de talhão ou de fazenda, mas muitas vezes isso é inviável, seja por falta de informações ou pelos altos custos e tempo envolvidos. O método BRLUC foi desenvolvido para suprir essa necessidade, disponibilizando dados em nível municipal, de forma aberta e em conformidade com os protocolos internacionais”, diz Renan Novaes, analista da Embrapa Meio Ambiente e um dos coautores do método.
O novo método e as novas estimativas de emissões foram publicados em uma das principais revistas que tratam do tema de ACV no mundo, o Journal of Cleaner Production, que possui um alto fator de impacto JCR de 11,0. Os dados para o período 2000-2019 também estão com acesso aberto no site da Embrapa em https://brluc.cnpma.embrapa.br/
Além de autores da Embrapa, o trabalho contou com a participação de Miguel Brandão, do KTH Royal Institute of Technology, da Suécia, e de Julia Zanin Shimbo, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora científica do MapBiomas. “A publicação em revistas de alto fator de impacto como esta é importante para dar maior visibilidade e credibilidade aos estudos realizados, uma vez que passam por rigorosos processos de revisão por pares e critérios científicos”, afirma Brandão.
As principais melhorias feitas nesta nova versão, chamada de BRLUC 2.0, foram o uso de dados de conversão de terras espacialmente explícitos do MapBiomas, estatísticas agrícolas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estoques de carbono regionalizados de fontes reconhecidas, como IPCC e inventário nacional de gases de efeito estufa e uma abordagem de responsabilidade compartilhada entre as lavouras. “Com estas melhorias, as emissões são estimadas com maior acurácia e serão usadas para substituir estimativas feitas internacionalmente com dados mais grosseiros”, afirma a pesquisadora Marília Folegatti, da Embrapa Meio Ambiente.
A versão mais recente do método levou a uma estimativa de 911 Mtons de CO2 associadas à agricultura, em 2019, sendo 81% destas relacionadas a pastagens plantadas. As taxas de emissão de mudança de uso da terra no Brasil para cana-de-açúcar, milho e soja foram estimadas em 0,3, 2,0 e 2,3 tCO2.ha-1.ano-1, respectivamente. “Essas novas estimativas são 97%, 38% e 85% menores que as estimadas disponíveis na ferramenta da consultoria Blonk e nos bancos de dados do GFLI e do Agrifootprint”, que são exemplos de dados disponíveis internacionalmente. “Após a publicação do artigo, já tivemos a confirmação de interesse pela incorporação de nossas estimativas em importantes bancos de dados internacionais”, enfatiza Marília.
“Com o crescente compromisso de governos e empresas com metas de redução de carbono, como por exemplo as metas net-zero, esse tipo de dado será cada vez mais requisitado. Como os dados resultantes são consistentes com os protocolos internacionais, poderão ser usados por esses estudos”, salienta Novaes. Os autores esperam que os dados sejam usados também para apoiar a gestão das cadeias de suprimentos de empresas, em direção a um perfil de produção de baixo carbono e maior competividade internacional.
O estudo foi financiado com recursos públicos da Embrapa e do Ministério de Minas e Energia (MME) e cofinanciado por quatro associações do setor privado: o Sindicato das Indústrias de Alimentos para Animais (Sindirações), a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja). Um potencial conflito de interesses foi mitigado pelas seguintes ações: seleção de bolsistas de forma independente pela equipe da Embrapa; submissão prévia de hipóteses, métodos e resultados para escrutínio de pesquisadores independentes; submissão do trabalho para uma revista com revisão por pares de alto impacto; e pelo não envolvimento das associações nestas decisões.
Os autores do artigo são Danilo F. Trovo Garofalo, Renan Milagres L. Novaes, Ricardo A. A. Pazianotto, Vinícius Gonçalves Maciel e Marília I. S. Folegatti-Matsuura da Embrapa Meio Ambiente (Jaguariúna, SP), Miguel Brandão do KTH Royal Institute of Technology Stockholm (Suécia) e Julia Zanin Shimbo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).