A eleição do empresário republicano Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos surpreendeu o mundo, principalmente porque tanto as pesquisas de intenções de votos, quanto a imprensa norte-americana e mundial, dava como certa a vitória da democrata Hillary Clinton. Ela tinha o apoio do presidente Barack Obama, mas nem isso garantiu que ela vencesse o pleito.
“As instituições de pesquisa e a imprensa internacional fizeram com que acreditássemos que Hillary ganharia. Mas é difícil manipular a opinião pública e o interesse dos eleitores”, comenta o presidente da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Antonio Alvarenga.
Em sua opinião, “Trump falou exatamente o que os desempregados – que, tradicionalmente, eram eleitores dos democratas – queriam escutar, especialmente sobre a exportação de empregos para a China”.
“O discurso do Trump, após ser eleito, foi muito conciliador. Penso que ele será um moderado, protecionista, e vai estabelecer uma boa relação com a Rússia, acabando logo com a guerra civil na Síria, iniciada por Hillary.”
Para Alvarenga, alguns países da América Latina, México, Venezuela e, principalmente, Cuba, poderão perder muito com o governo Trump. “No caso do Brasil, ainda é cedo para avaliar as mudanças que podem acontecer e eventuais impactos para o agronegócio brasileiro. A princípio, não vejo problemas. O mercado continuará funcionando. Trump será um moderado firme e protecionista, que não prejudicará o desenvolvimento de nosso agronegócio. Ao contrário, poderão surgir novas e boas oportunidades.”
Lei de oferta e Procura
Ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), Roberto Rodrigues salienta que, apesar do choque inicial diante da vitória de Trump e de um protecionismo já indicado por ele, assim que assumir o cargo, o comércio internacional deve impor suas regras, diminuindo, por exemplo, os impactos nas vendas externas brasileiras àquele mercado.
“Pode até acontecer uma retomada de protecionismo no começo do governo, mas a médio prazo, o comércio ditará suas regras e não acredito em mudanças muito profundas”, afirmou ele, em entrevista ao Broadcast Agro, do Estadão (Agência Estado). “O comércio tem sua própria ‘vontade’, e ninguém revogará a lei da oferta e da procura”, acrescentou.
Membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA e embaixador especial da FAO para o Cooperativismo (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o ex-ministro ainda ressalta que, nos oito anos do governo Obama, não houve aumento significativo do comércio com o Brasil.
Ele destaca que o único acordo relevante, fechado recentemente, foi a liberação das exportações de carne bovina in natura para os EUA: “Que liberalismo tivemos com oito anos de Obama? (Na carne bovina) Foram 15 anos de briga e a vontade do comércio foi maior que o protecionismo”.
Demanda por alimentos
Na opinião de alguns especialistas em agronegócio, a eleição de Trump não deve afetar o setor brasileiro. Ouvidos pelo Broadcast Agro/Estadão, eles dizem que eventuais barreiras protecionistas, levantadas pelo empresário eleito, fariam com que países compradores se voltassem ao Brasil, em busca de alimentos e outras commodities.
“De repente, pode-se abrir o mercado mexicano e podemos nos colocar em outros. A China, por exemplo, continuará tendo suas necessidades, e se não puder contar com os Estados Unidos, pode procurar o Brasil”, afirma o diretor técnico da Informa Economics FNP, José Vicente Ferraz.
A princípio, grãos (especialmente, a soja) e carnes seriam os produtos mais beneficiados por um aumento da demanda externa pelas commodities nacionais. Menores em relação ao mercado, outros produtos – como suco de laranja e tabaco – também poderiam ser mais demandados, cita a reportagem do Estadão.
Ainda em entrevista ao Broadcast Agro, o diretor da Archer Consulting, Arnaldo Luiz Corrêa, disse que algumas das ideias de Trump “podem ser positivas” para o agronegócio brasileiro. Ele lembrou que o republicado é contrário ao Acordo do Pacífico, que envolve grandes importadores de alimentos, como países asiáticos:
“Os mercados não gostaram, mas ainda é muito cedo para se medir o impacto (para o agronegócio brasileiro)”, salienta Corrêa.
Acordos Bilaterais
Executivos da Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos (Amcham) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) avaliam que a vitória de Trump pode “esfriar” as negociações de acordos bilaterais, que envolvam o mercado norte-americano.
Para a CEO da Amcham, Deborah Vieitas, os EUA deverão se tornar mais protecionistas, caso o discurso do republicano, feito durante sua campanha eleitoral, seja colocado em prática. Ainda assim, ela acredita que aquele país continuará sendo um importante parceiro comercial brasileiro.
“Os mega acordos comerciais que estão pendentes de aprovação, como a Parceria Transpacífico e o acordo em negociação com a União Europeia, talvez tenham certo esfriamento, já que as questões internas nos Estados Unidos devem dominar a agenda do novo presidente”, disse Deborah, em reportagem publicada pela Agência Brasil.
Na visão da executiva, a aproximação regulatória entre os dois países, que envolvem procedimentos regulatórios e de aduana, deve continuar a evoluir. Para ela, os investidores norte-americanos também devem continuar a ter “cada vez mais apetite” no Brasil.
“Entendo que haverá cada vez mais apetite dos americanos, e de outros investidores, conforme nós, no Brasil, pudermos ter o programa do presidente Temer tornando mais concreto e assim como a aprovação das principais reformas que ele propõe”, acredita Deborah.
Impactos limitados
Diretor titular de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, Thomaz Zanotto ressalta que os impactos no Brasil, diante da eleição de Trump, deverão ser limitados, porque o comércio entre os dis países é feito, principalmente, com a participação de multinacionais norte-americanas instaladas aqui, no chamado “intra company trade”.
“É a própria multinacional americana, que tem presença forte no Brasil, que transaciona ou com clientes ou com a matriz nos Estados Unidos. É um processo interno das companhias”, destaca Zanotto.
Em sua opinião, a situação entre Brasil e EUA é de muita proximidade. Mas um acordo de livre comércio não deverá ocorrer: “Se nós tivéssemos nesse momento negociando um acordo de livre comércio com os EUA, em estágio avançado, seria uma pena, porque talvez o acordo não se concretizasse. Mas isso não está ocorrendo. O trabalho que temos com muita intensidade com os EUA é um trabalho muito de nível técnico, a chamada convergência regulatória”.