Grandes empresas internacionais do agronegócio parecem estar dando passos no sentido de se descomoditizar suas linhas de produtos. Como a centenária Cargill, que construiu seu gigantismo comercializando grãos, oleaginosas e açúcar, entre outras commodities, e hoje opera também uma fábrica de xarope de milho livre de transgênicos, segmentação que já responde por 10% do total de sua produção de xarope de milho.¹
Ou então como a Bunge, outra gigante das commodities, cujas linhas descomoditizadas representaram 15% do lucro em 2015 e a empresa planeja chegar a 35% com operações de valor agregado. Ou ainda a ADM, também tradicional no mercado de commodities, que não faz muito tempo desembolsou 2,3 bilhões de euros para comprar a Wild Flavors, empresa de alimentos especiais e bebidas “flavorizadas”.
Uma pitada do tempero dessas mudanças estratégicas nos negócios pode estar associada a eventuais tendências de queda de lucratividade, projetadas para a comercialização de commodities. Mas o atrativo forte estaria, na verdade, na contrapartida das maiores margens de lucro dos produtos segmentados e especializados, já que em tese a nova orientação fragmenta estruturas produtivas, altera paradigmas de economia de escala e aumenta custos.
Enfim, parece que a razão de segmentações no portfólio de oferta das grandes empresas de commodities revela que descomoditizar o negócio tornou-se algo bem interessante – até mesmo para esses gigantes do agronegócio mundial. E o impulso do ajuste, em última instância, parece vir do eterno “rei consumidor” e sua crescente demanda por alimentos produzidos de acordo com novos padrões sociais, ambientais e nutricionais.
Para o agronegócio brasileiro, protagonista no mercado internacional de commodities, essas aberturas de novos focos segmentados de negócios, pelos principais players desse mercado, é um sinal que não deve ser desprezado. No mínimo é um insumo importante na discussão sobre os movimentos estratégicos do nosso agronegócio, nos próximos cinco a 10 anos.
Na dúvida sobre a evolução desses gigantes internacionais, fico com declaração recente do diretor de finanças da Cargill, mundial, Marcel Smits. Segundo comentou, a descomoditização das cadeias mundiais de abastecimento agrícola é uma tendência que não vai mudar — “e isso é realmente uma boa notícia para nossos negócios”¹.
Nessa perspectiva, para quem está conectado ao mercado nacional ou internacional de commodities, e pratica planejamento estratégico, a prudência recomenda ficar de olho na evolução desse cenário. Há novas cartas na mesa e isso pode pedir um alinhamento do nosso agronegócio, para extrair dessas mudanças do mercado novas oportunidades.
* Valor Econômico, 27/05/2016, “Empresas”, conf. “Farm to Market”.