Nas últimas décadas, a agricultura brasileira conseguiu, ao mesmo tempo, multiplicar a oferta interna de alimentos e dar suporte à arrancada das exportações, exigindo proporcionalmente menos terra para realizar esse esforço produtivo. O vigoroso desempenho do agronegócio, mesmo na fase mais crítica da crise financeira mundial, em 2008, contribuiu para colocar o Brasil em posição de destaque em vários mercados, assegurando a primeira colocação do país no comércio mundial de etanol e açúcar, carne bovina e frango, além de consolidar sua posição de liderança nos setores de café e suco de laranja. O agronegócio brasileiro tornou-se ainda importante competidor nos setores de madeira, papel e celulose, frutas tropicais e carne suína.
Se os números são grandes, a lista de queixas dos produtores não é menor. O presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho da Silva, destaca a falta de infraestrutura, de um seguro ao produtor e o câmbio, que leva os brasileiros a exportar mais e a receber menos. A SRB está completando 90 anos de atividades em 2009.
No ranking mundial da produção de grãos, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil detém participação de 27% na soja, de 34% no café e de 35% na cana-de-açúcar, respondendo ainda por 18% da produção global de feijão. Quando se toma como referência o comércio mundial de produtos agrícolas, o país se destaca novamente, ao assumir fatias de 36% nas exportações totais de soja em grão, 23% para o farelo e 16% em óleo de soja. Pouco mais de 30% das trocas internacionais do café estão sob controle brasileiro, que ainda responde por quase 9% das transações com milho.
O Produto Interno Bruto (PIB) do setor saiu de R$ 555,8 bilhões em 1994, a valores de 2008, segundo cálculo do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, para R$ 764,5 bilhões no ano passado, respondendo por 26,5% de todo o produto gerado pela economia brasileira. A indústria de insumos, favorecida pelo aumento da demanda até 2007 e pelo salto nos preços médios de adubos, fertilizantes e defensivos em 2008, registra o desempenho mais destacado, pulando de menos de R$ 49,6 bilhões para pouco mais de R$ 90 bilhões em valores reais (81,7% a mais).
O PIB da agropecuária vem em seguida com o segundo melhor desempenho nessa década e meia, com avanço acumulado de 51%, de R$ 133,1 bilhões para R$ 201,0 bilhões. A agroindústria e o segmento de distribuição alcançaram variações, pela ordem, de 24% e quase 30%, somando R$ 231,3 bilhões e R$ 242,2 bilhões respectivamente.
Ao longo das últimas 20 safras, contadas a partir do ano agrícola de 1989/1990, quando o campo colheu menos de 58,3 milhões de toneladas de grãos, a produção mais do que dobrou, e deverá atingir, na safra que começou a ser semeada em outubro, algo próximo a 139,1 milhões de toneladas, com algumas apostas mais otimistas projetando 141,0 milhões de toneladas. Qualquer que seja o número final, o dado a ser considerado é que a oferta doméstica de grãos teve um avanço acumulado de quase 140% em duas décadas, enquanto a área destinada ao plantio registrou alta bastante moderada, inferior a 22%.
Lá atrás, o produtor conseguia arrancar de cada hectare cultivado, na média, menos de 1,5 mil quilos de soja, milho, arroz, feijão, sorgo, trigo, algodão em caroço, entre outros grãos. Precisava cultivar quase 39 milhões de hectares para conseguir uma safra de pouco menos que 60 milhões de toneladas. Os ganhos de produtividade, incrementados por investimentos em novas tecnologias, o que significou melhores sementes, uso de insumos em maior escala, máquinas e implementos mais eficazes e técnicas de manejo aperfeiçoadas, permitiriam ao agricultor, hoje, praticamente dobrar a produção, mesmo se não tivesse sido possível avançar sobre um palmo de terra a mais.
A série histórica de dados da Conab mostra que o rendimento médio por hectare aumentou 96% nos últimos 20 anos, com previsão para 2,94 mil quilos por hectare na safra 2009/2010, que começará a ser colhida no início do próximo ano. A superfície ocupada pelas lavouras saiu de 38,9 milhões de hectares em 1989/1990 para quase 47,4 milhões de hectares, com a incorporação de 8,4 milhões de hectares – crescimento quase todo realizado na região Centro-Oeste, segundo maior polo agrícola do país. Aplicado o nível atual de produtividade à área utilizada há 20 anos, a produção teria crescido das 58 milhões de toneladas para 114 milhões.
O desbravamento do Cerrado deveu-se largamente aos esforços promovidos pelos pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa ). Entre 1975 e 2007, a estatal investiu perto de R$ 30 bilhões em pesquisas, em valores atualizados, segundo o estudo Produtividade na Agricultura Brasileira, do coordenador de Planejamento Estratégico do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), José Garcia Gasques, e pelas economistas Eliana Teles Bastos, do Mapa, e Mirian Bacchi, do Cepea/USP.
A capacidade de reação da agricultura brasileira, que hoje consegue competir com vantagens com a agricultura mais desenvolvida do planeta, segundo o economista João Furtado, professor do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, não foi obra do acaso e nem da natureza. “Foi resultado de uma conjunção de fatores positivos, alguns naturais, outros criados pelo conhecimento.”
A produtividade da soja saltou de apenas 1,43 mil quilos por hectare em 1977 para quase 3 mil quilos. Todo esse incremento, avalia Furtado, tem sido equivocadamente associado a condições de clima e solo supostamente adequadas ao desenvolvimento da cultura. “Isso não é verdade. A soja odeia sol. Nós ´ensinamos´ a soja a tomar sol, graças ao trabalho de nossos pesquisadores e de nossa ciência”, afirma.
Segundo Furtado, a porteira foi aberta pela cientista tcheca Joana Doberainer, que criou e aperfeiçoou o método de inoculação da soja com microorganismos (rizóbios) que multiplicam sua capacidade de absorver nitrogênio, fixando-o ao solo. “Esse método permite que o país economize muito mais do que US$ 1 bilhão por ano em adubos, mais os impactos positivos sobre o meio ambiente relacionados à menor aplicação de nitrogênio na adubação”, sustenta o especialista em inovação.
As últimas três décadas, aponta Gasques, corresponderam a um período de intensas transformações na agricultura, marcado pelo esgotamento da fronteira agrícola do Sul e Sudeste e consolidação do Centro-Oeste como novo front no avanço do agronegócio. Foi também fase de grande queda nos preços das terras, o que facilitou as opções de investimento fora do eixo Sul-Sudeste.
Num período mais recente, entre 2000 e 2007, aponta estudo assinado por Gasques, Bastos e Bacchi, 87% do crescimento do produto agrícola deveu-se aos ganhos de produtividade, que cresce a taxas mais elevadas do que as agriculturas mais eficientes do planeta. Enquanto nos EUA a produtividade total do setor aumentou, na média, 2,34% ao ano entre 2000 e 2004, no Brasil, a taxa anual média de crescimento atingiu 5,2% no período, crescendo 4,75% ao ano entre 2000 e 2007.
Ao longo da segunda metade dos anos 1990 e, agora, nos últimos dois anos, o agronegócio tem sido responsável por todo o saldo comercial do país, graças a sua elevada capacidade de inserção nos mercados mundiais, driblando barreiras e o protecionismo aberto ou disfarçado dos países ricos. As exportações evoluíram de US$ 23,4 bilhões em 1997 para US$ 71,8 bilhões em 2008, puxadas pelos complexos soja, carnes, açúcar e álcool e produtos florestais, num salto de 207% no período.
Diante de sua dependência reduzida em relação a importados, o campo gerou superávit de praticamente US$ 60 bilhões no ano passado, enquanto o saldo da balança comercial brasileira mal passou de US$ 24,7 bilhões – o que significa dizer que todo o restante da economia anotou um déficit de US$ 35,4 bilhões (quase quatro vezes mais do que em 2007). Em pouco mais de uma década, o saldo comercial do agronegócio aumentou 295%.