Um ano depois de anunciada, a compra da Sadia pela Perdigão está longe de ser decidida pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas já faz história como o caso símbolo de uma nova etapa do antitruste no País: a era de fusões e aquisições que envolvem dezenas de mercados. A avaliação feita por conselheiros é a de que o Cade passou de um órgão conhecido por julgar fusões em mercados delimitados, como chocolates (caso da compra da Garoto pela Nestlé), ou cervejas (união da Brahma com a Antarctica para criar a AmBev), para negócios que envolvem o varejo como um todo.
“Nós saímos de fusões que envolviam mercados específicos, como cerveja e chocolate, para analisar casos com grande repercussão no varejo e no mercado de alimentos de maneira geral”, resumiu o conselheiro Carlos Ragazzo. “São fusões e aquisições que têm impacto direto na população”, continuou, citando ainda outros grandes processos que chegaram ao conselho, como a união entre o Pão de Açúcar, o Ponto Frio e as Casas Bahia e a resposta imediata a esse negócio – a fusão entre a Insinuante e a Ricardo Eletro.
De fato, as respostas que o Cade vai dar para a compra da Sadia e para as recentes fusões no varejo podem reconfigurar não apenas um, mas vários mercados. No caso “Sadigão”, como é chamada informalmente a criação da Brasil Foods, a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda está fazendo estudos para delimitar o número exato de mercados afetados.
Já se chegou a uma conta preliminar entre 30 e 40 setores da economia que serão afetados pela operação. Isso porque cabe aos técnicos da Seae avaliar se devem considerar o mercado de alimentos congelados como um todo ou separá-lo em diversos produtos, como, por exemplo, definir um mercado só para pizzas congeladas e outro para lasanhas. É por causa de complexidades de análise como essa que o processo está há quase um ano na Fazenda.
A demora não preocupa conselheiros. “O processo está correndo num ritmo absolutamente normal”, disse Ragazzo, relator da compra da Sadia. Segundo ele, a Seae está ouvindo várias empresas, fornecedores e clientes, além da Sadia e da Perdigão. “Em nenhum lugar do mundo, uma fusão desse porte seria julgada em menos de um ano”, explicou o conselheiro.
A Sadia e a Perdigão já enviaram mais de mil páginas em estudos para ajudar os técnicos do governo. Alguns são bastante complexos, como os estudos econométricos, cujo objetivo é prever possíveis impactos nos preços após a fusão. “A ideia é levar massa crítica para o Cade”, resumiu Paulo de Tarso Ribeiro, ex-ministro da Justiça, que foi contratado pelas empresas para defender a compra da Sadia junto aos órgãos antitruste. “Nós temos um milhão de razões para demonstrar que a operação é pró-competitiva”, continuou.
A compra da Sadia vai atravessar ainda dois movimentos antes de ser julgada em definitivo pelo Cade. O primeiro é interno: a recondução de conselheiros. Os mandatos de Ragazzo e dos conselheiros Vinícius Carvalho e Olavo Chinaglia terminam em agosto. Se não forem reconduzidos para mais dois anos no Cade, a análise das megafusões no varejo que está em curso volta à estaca zero. O caso da BRF já está com o segundo relator no Cade. Antes de Ragazzo, o processo estava com Paulo Furquim, que deixou o órgão em setembro.
Ao todo, o Cade tem sete integrantes. Outros dois – o presidente, Arthur Badin, e o conselheiro Cezar Mattos – têm mandatos até novembro e também podem ser reconduzidos para mais dois anos no órgão. O ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, já conversou com os conselheiros e deve definir em breve a situação dos que dependem de recondução.
O segundo movimento é externo: o “boom” de novas fusões que chegaram ao conselho no início do ano. Segundo levantamento feito pelo economista João Paulo Garcia Leal, dobrou o número de negócios que chegaram ao Cade, na comparação entre as oito primeiras sessões de 2009 com este ano. O salto foi de 83 novas fusões, entre janeiro e abril do ano passado, quando os empresários ainda avaliavam os efeitos da crise global, para 172 novos negócios nas oito primeiras sessões deste ano.
Para Leal, tanto aumentou o número de fusões quanto cresceu a complexidade dos negócios. As aquisições feitas pelo Pão de Açúcar, a compra da Sadia e a união entre a Braskem e a Qattor “são casos que demandam análises mais pormenorizadas dos mercados envolvidos”. “São fusões que envolvem vários mercados geográficos”, disse Leal. Isso significa que a Seae terá que avaliar todas as cidades afetadas por essas fusões. Os técnicos terão de situar os mercados em que as empresas atuam no mapa do Brasil para verificar os riscos de oligopólios locais. Eventualmente, podem indicar a necessidade de venda de fábricas ou lojas em algumas cidades.
“O que me surpreendeu foi a coincidência de surgir vários casos complexos num curto período de tempo”, afirmou. “Em 2002, Nestlé-Garoto foi o negócio do ano”, lembrou. “Agora, não”, completou Leal. Há vários negócios do ano e muitos ainda poderão surgir, o que só aumenta o desafio do Cade de responder a esse movimento.