O cenário de preço recorde do boi e de fraca demanda “apertou” a margem da operação de bovinos da Marfrig no Brasil no primeiro trimestre, reconheceu o diretor-presidente da Marfrig Beef Brasil, Andrew Murchie, em entrevista ao Valor. Mas o executivo ponderou que a fase mais difícil já passou.
De acordo com ele, um movimento de retomada gradual das margens já pode ser notado desde março, sustentado sobretudo pelo mercado externo, que superou o momento delicado do primeiro bimestre do ano e agora começa a colher os benefícios do real mais competitivo para a exportação.
“O segundo trimestre vai ser melhor. Por questão da recessão dos mercados de exportação, [criou-se] um cenário complicado em que as margens se apertaram [no começo do ano]. Mas, devagarzinho, as margens já começam a se expandir”, disse Murchie. No ano passado, a margem Ebitda ajustada da Marfrig Beef (que inclui os negócios no Uruguai, Argentina e Chile) foi de 9,7%. O Brasil é o principal país da unidade.
Segundo o executivo, a conjuntura econômica, com forte depreciação do real e queda do consumo interno de carne bovina reforça a estratégia que a Marfrig Beef Brasil vem adotando desde 2014, no contexto da reestruturação financeira e operacional da grupo, de ampliar a fatia das exportações na receita.
“Até há alguns anos, o principal mercado para a Marfrig era o Brasil. Era um país pujante, descobrindo cortes especiais de carne. Mas esse cenário mudou um pouquinho, e [agora] a exportação vai tomar a frente”, afirmou.
Para 2015, a expectativa da Marfrig é que o avanço das exportações de carne bovina a partir do Brasil eleve a participação das vendas externas da divisão Marfrig Beef para 50% da receita total. “Esse percentual vai colocar o grupo em uma posição confortável”, disse. Em 2014, essa fatia foi de 45%. Em 2012, antes do início da reestruturação, era de 36,9%.
A Marfrig não detalha a receita com as operações de bovinos no Brasil, mas a Marfrig Beef com um todo teve receita líquida de R$ 9,6 bilhões em 2014, o equivalente a 46% do total de R$ 21 bilhões da Marfrig, empresa que tem outras duas divisões: a subsidiária irlandesa Moy Park, de carne de frango, e a americana Keystone, que é especializada no atendimento de redes de fast-food.
Se já pode contar com a melhora das exportações, Murchie também espera algum alívio dos preços do boi gordo ainda neste mês. Responsável por cerca de 80% dos custos de produção de um frigorífico, a matéria-prima segue com preço em patamar recorde – a R$ 149,78 por arroba em São Paulo, segundo o Cepea.
Conforme o executivo, os abates até caíram no Brasil devido à menor oferta de gado no primeiro trimestre, mas deve haver algum alívio daqui para frente. A questão é que, com o fim da estação de chuvas, a qualidade das pastagens diminui e leva consigo o poder de barganha dos pecuaristas, que vinham segurando a venda de boi.
Nesse contexto, Murchie acredita que não é necessário paralisar unidades por conta da escassez de oferta de boi. Atualmente, a empresa tem 13 unidades. No fim do ano passado, a Marfrig já fez um “ajuste”, deixando de abater na unidade de Alegrete (RS) e em Rio Verde (GO).
Murchie não faz previsões sobre a demanda interna, dado o cenário de incerteza na economia brasileira. Por ora, a estratégia da empresa para o Brasil tem sido atuar na melhora de mix, com lançamentos de produtos como a carne de charque voltada para o Sudeste, com maior expectativa de margem do que as vendas tradicionais para Norte e Nordeste.
No momento, a Marfrig está adaptando sua fábrica em Itupeva (SP) para a produção de carne de charque (“jerked beef”). A intenção é vender o produto com as marcas Montana e Marfrig em pacotes de 500 gramas no varejo paulista e no Sul. Para o food service, serão comercializados pacotes de 5 quilos. A estimativa é vender, em um ano, 4 mil toneladas no Sul e Sudeste.
Segundo Luiz Firmino, diretor de novos negócios da Marfrig Beef, o produto voltado para o Sudeste tem um padrão diferente do destinado ao Norte e Nordeste, onde são comercializados em pacotes de 30 quilos. Nessas duas regiões, o supermercado é o responsável por separar o volume vendido aos consumidores.
Ele acrescentou que o charque fabricado em Itupeva terá maior valor agregado que o produzido em Rio Verde (GO) e vendido no Norte e Nordeste. O produto será feito a partir de cortes do dianteiro e traseiro bovinos, mais “nobres” do que a ponta de agulha usada na carne de charque do Norte e Nordeste. Com isso, a Marfrig espera melhorar o mix de vendas.