Assim como o gás russo começou a fluir novamente para a Europa, os estoques de grãos presos na Ucrânia por causa da guerra poderão retornar em breve ao mercado global. Os países mais pobres terão algum alívio com a retomada da oferta, mas talvez não tanto quanto gostariam.
Ucrânia e Rússia, com a intermediação da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Turquia, chegaram nesta sexta-feira a um acordo que prevê a retomada dos embarques ucranianos de alimentos pelo Mar Negro. Cerca de 20 milhões de toneladas de trigo e outros grãos estocadas precisam sair do país nos próximos meses, assim como a safra de inverno do trigo, que está em fase de colheita.
O acordo desta sexta deverá evitar uma crise alimentar e agitação social em países que dependem muito das importações ucranianas — em geral economias emergentes cujos consumidores gastam uma parcela maior de sua renda com alimentação. No entanto, os estoques globais estão mais baixos do que nos últimos anos. A relação entre estoque e demanda dos principais grãos, incluindo trigo e milho, deve cair para 29,8% neste ano, abaixo dos 30,7% de anos anteriores, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Com a notícia do acordo entre Ucrânia e Rússia, os contratos futuros de trigo na bolsa de Chicago fecharam o dia em queda de mais de 5%. A diferença de US$ 30 por tonelada entre o preço à vista pago ontem pelo trigo ucraniano e os contratos futuros indica que os investidores esperam uma oferta extra e preços menores nos próximos meses, segundo a empresa de dados AgFlow.
Se o corredor de exportações pelo Mar Negro for bem-sucedido, os preços do trigo argentino e do brasileiro poderão cair. Os países africanos que normalmente compram da Ucrânia culturas importantes vêm recorrendo a fornecedores alternativos, o que levou a um aumento do preço do trigo argentino em particular. Seja como for, é mais barato obter o trigo nos portos do Mar Negro: o custo do frete para transportar trigo da Argentina para o Senegal é de US$ 60 a tonelada e de US$ 46 no caso do cereal oriundo do Mar Negro.
No entanto, o acordo ainda não entrou em vigor, e os prêmios de seguro para a movimentação de navios pelo Mar Negro continuam altos. A Ucrânia teme que a remoção de minas para criar um corredor para a passagem dos navios possa deixar seus portos vulneráveis a ataques, mas seu progresso no transporte ferroviário durante o bloqueio tem sido lento. Como a largura dos trilhos de trens da Ucrânia e da Europa é diferente, os grãos precisam ser recarregados em contêineres europeus na fronteira.
Hoje, os preços dos grãos estão abaixo do pico que alcançaram depois que a Rússia invadiu a Ucrânia. “O ágio da guerra saiu do mercado”, diz Richard Buttenshaw, diretor de grãos da Marex. Safras melhores que o esperado em alguns países e a pressão sobre os preços das commodities em geral contribuíram para isso.
Mesmo após as quedas recentes, os grãos não estão baratos em comparação com a média histórica. Em Chicago, os futuros estavam na casa de US$ 8 o bushel até a última quinta-feira, mas, entre 2014 e 2020, eles não chegavam a mais de US$ 6, segundo a Marex.