Quando Lorival Luz chegou à BRF, em 2017, o clima na rua Hungria não era dos mais amistosos. O conselho de administração vivia às turras e os resultados iam de mal a pior. A história recente é relativamente conhecida, mas nem mesmo naquele inferno astral a dona de Sadia e Perdigão precisou lidar com um ambiente inflacionário tão adverso quanto foi 2021. Quem garante é o próprio CEO global da BRF.
A magnitude da alta dos custos de produção, que em alguns casos superou 50%, não estava no horizonte nem dos mais conservadores como o executivo mineiro. “Já viramos 2020 muito comprados em grãos, mas mesmo assim tivemos de fazer reajustes sequenciais para lidar com ao custos”, disse Luz.
Diante da escalada das matérias-primas, desde a ração às embalagens, a margem Ebitda naturalmente sofreu – caindo de 13% para11% –, ficando abaixo do que a companhia imaginava quando fez o orçamento de 2021. O copo meio cheio, e que será explorado no BRF Day de amanhã, é o impacto positivo da melhor gestão de custos.
Nos últimos anos, a diferença de custos de produção da BRF ante as concorrentes aumentou, em benefício da dona da Sadia, que vem entregando um CPV bem mais comportado que a média do setor, -o que se traduz em Ebitda.
A BRF fez um Ebitda de R$ 5,5 bilhões nos últimos 12 meses encerrados em setembro, número que seria sensivelmente menor se a trajetória dos custos de produção seguisse à média do mercado. Em uma extrapolação, a companhia perderia R$ 2 bilhões no resultado operacional, o que faria com o que o Ebitda ficasse abaixo de R$ 3 bilhões, em nível parecido ao ciclo de 2016-2018.
Num ambiente menos hostil do que o atual, a reestruturação da BRF nos últimos anos pode ter como legado uma companhia bem mais rentável no futuro – num mundo de custos menos instáveis, o Ebitda potencial da empresa já seria de R$ 7 bilhões, com as margens mais próximas de 15%.
Por ora, a disparada dos custos provocou uma revisão nas projeções de longo prazo. Ao invés de chegar a um Ebitda de R$ 10 bilhões em 2023, como projetou durante o BRF Day do último ano, a dona da Sadia levará mais um ano para chegar a esse objetivo, portanto, em 2024. A meta é chegar a uma receita de R$ 65 bilhões daqui a três anos, ante cerca de R$ 50 bilhões este ano.
A adequação do passo é também um sinal de que a BRF usará o tempo para dosar a velocidade de investimentos, com vistas a preservar o índice de alavancagem abaixo do limite prudencial de 3 vezes (teto ultrapassado no terceiro trimestre). Num momento de aperto monetário no Brasil, o alto nível do endividamento tem sido a grande fonte de preocupação para os analistas.
“É compreensível que os analistas fiquem preocupados com o custo caixa dos juros”, reconhece Carlos Moura, vice-presidente de finanças e de relações com investidores da BRF. A companhia detém um colchão de liquidez de R$ 7 bilhões em caixa e um prazo médio de vencimento das dívidas de mais de 9 anos. Além disso, vem conseguindo monetizar mais impostos – cerca de R$ 1 bilhão apenas em 2021, o que alivia o fluxo de caixa.
Na leitura do CEO da BRF, a maior parte do aumento de custos já ficou para trás, e o grupo conseguiu fazer os reajustes – o que deve se traduzir em margens mais gordas em 2022. No mercado, analistas começam a convergir para esse cenário. Ontem, o Santander revisou sua tese para a BRF, recomendando compra da ação prevendo margens melhores. O preço-alvo do banco para o papel é de R$ 25, upside de 22% sobre a atual cotação.
Em bolsa, a BRF está avaliada em R$ 16,6 bilhões. O papel acumula queda de 7,3% em 2021.