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Entrevista

O Brasil precisa aproveitar o potencial de produção em grande escala de grãos e carnes para ganhar mercados

O presidente da C.Vale, Alfredo Lang, ressalta o papel do país como um dos principais fornecedores de proteínas para o mundo

O Brasil precisa aproveitar o potencial de produção em grande escala de grãos e carnes para ganhar mercados

Alfredo Lang é presidente da C.Vale, cargo que ocupa desde 1995. Engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), entrou para a cooperativa paranaense em 1976.

Por Humberto Luis Marques

 

O mercado de carnes viveu um ano bem complicado. O setor ainda sofria os rescaldos da Operação Trapaça, um desdobramento da Operação Carne Fraca, quando veio a greve dos caminhoneiros. O embargo europeu à carne de frango brasileira, as dificuldades em exportar devido a paralização dos caminhões e acesso aos portos e um consumo interno enfraquecido devido aos 13 milhões de desempregados e uma economia que ainda cresce muito lentamente, levaram o setor a ver suas margens apertarem, principalmente com a sobra do produto no mercado nacional.

O cenário começou a mudar no segundo semestre, quando a alta do dólar gerou oportunidades no mercado externo, reduzindo a oferta doméstica de carne. Em grãos, o comércio deslanchou, já que os patamares de preço estavam melhores. “No resumo do ano, podemos dizer que o faturamento vai aumentar, mas a rentabilidade dos negócios vai ficar bem abaixo do desejável”, comenta Alfredo Lang, presidente da cooperativa C.Vale.

A C.Vale é uma das maiores cooperativas singulares do agronegócio do País. Com um faturamento anual de R$ 8 bilhões, ela possui aproximadamente 21 mil cooperados atuando em atividades como grãos, frangos, leite, suínos, mandioca e peixes. Nos últimos anos, investiu na construção do maior abatedouro de tilápias do País, além de direcionar recursos para implantar um complexo avícola que produz cerca de 530 mil frangos/dia.

Para Lang, o Brasil precisa aproveitar o seu natural potencial de produção de proteínas em grande escala para ganhar mais mercado. Só que, para isso, tem de avançar em questões de sanidade, “melhorando ainda mais a segurança alimentar dos produtos exportados”. “Não podemos dar tiro no próprio pé superdimensionando problemas que podemos resolver internamente, sem escândalos. Entendo que nossa diplomacia comercial não pode se deixar guiar por ideologias. Temos que oferecer os produtos que os clientes quiserem, desde que nos seja rentável, independentemente da ideologia do país”, ressalta o presidente da C.Vale. Confira a entrevista na íntegra.

 

Avicultura Industrial – A C.Vale está entre as maiores empresas de agronegócio do país, atuando em vários segmentos agrícolas e pecuários. Dentro dessa trajetória de mais de 50 anos, quais as estratégias adotadas que impulsionaram a cooperativa à posição que ela ocupa hoje?

Alfredo Lang – Começamos atuando apenas com grãos, na década de 1960. A partir de 1990 começamos uma reestruturação implantando um Plano de Modernização em que a ênfase era a agregação de valores. O primeiro passo foi reduzir custos. Depois, construímos um complexo avícola, aproveitando que tínhamos matéria-prima em abundância, a soja e o milho, para a produção de rações. Ao mesmo tempo fomos ampliando a área de atuação seguindo o avanço dos associados para outros Estados. Então, nossa estratégia teve dois focos: agregar valor à produção e expandir a área de atuação. Em 23 anos, nosso faturamento passou de R$ 128 milhões para aproximadamente R$ 8 bilhões. Antes, atuávamos apenas em dois Estados e agora são cinco Estados e o Paraguai. Operávamos apenas com grãos e passamos a diversificar com frango, leite, suínos, mandioca e peixes. Isso trouxe inúmeras vantagens: receita maior e mais estável para a cooperativa, oportunidades de renda para os associados e milhares de novos empregos. Éramos seis mil associados em 1994 e hoje são quase 21 mil. O número de funcionários saltou de 800 para 9.400.

 

AI – Como a cooperativa tem trabalhado seu plano estratégico futuro em termos de mercado e produtos? A C.Vale pretende expandir sua atuação no mercado interno, trabalhar com produtos de maior valor agregado?

Lang – Já estamos fazendo isso há bastante tempo com a carne de frango. Comercializamos vários cortes prontos para consumo já que as pessoas têm cada vez menos tempo para preparar as refeições. Inclusive temos uma unidade de termoprocessados de frango que produz cortes cozidos, fritos e assados, que atende a esses consumidores. É uma tendência crescente. Queremos fazer a mesma coisa com o peixe. Inauguramos ano passado um frigorífico e estamos comercializando filé de tilápia, mas temos planos de lançar cortes prontos para consumo.

 

AI – A C.Vale possui um direcionamento de suas ações estratégicas chamado Plano de Modernização. Em que consiste esse plano?

Lang – O plano é o nosso Norte, é o direcionamento dos investimentos e do modelo de gestão. Nos anos 1990, lançamos a primeira versão prevendo os investimentos para os 30 anos seguintes. Através dele, direcionamos esforços e recursos para a implantação de um complexo avícola que hoje produz 530 mil frangos/dia. Depois construímos uma indústria para processamento de raiz de mandioca. Também incentivamos a produção de leite e suínos, que são industrializados pela Frimesa, da qual somos sócios. Nosso último empreendimento foi um sistema de integração para produção de peixes em que investimos R$ 110 milhões. Temos outros investimentos previstos, mas estamos aguardando condições melhores de crédito que as atuais. O custo está muito alto se comparado com a inflação.

 

AI – As cooperativas agropecuárias – por terem todo o ciclo produtivo na mão – passarão a ter uma posição cada vez mais estratégica dentro do mercado brasileiro de carnes, ocupando a liderança tanto no mercado interno quanto nas exportações?

Lang – O fato de produzir a própria matéria-prima dá uma vantagem competitiva às cooperativas. Quando você disputa mercado com gigantes, isso é um fator importante. No entanto, você precisa ir além, tem que oferecer qualidade diferenciada, tem que ser rápido para identificar as tendências de mercado e atender especificamente ao que o cliente exige. No caso da C.Vale, além de produzirmos a soja e o milho que utilizamos para a fabricação de rações, oferecemos também a rastreabilidade da carne de frango. Ou seja, se os clientes lá da Europa ou do Japão, por exemplo, quiserem saber qual avicultor produziu o frango e quais medicamentos ele forneceu, nós temos condições de repassar essas informações.

 

AI – A C.Vale é uma das filiadas da coopercentral Frimesa, que está construindo um dos maiores frigoríficos de suínos do País. Como a C.Vale trabalha as produções de aves e suínos em sua estrutura?

Lang – Nós garantimos a assistência técnica e fornecemos a ração e os medicamentos para os nossos associados produzirem suínos e leite. Eles entregam a produção à Frimesa, que faz a industrialização e a comercialização. É um sistema de integração em que as partes têm compromisso entre si, é um sistema mais estável e mais tranquilo tanto para a indústria quanto para o produtor que o sistema independente. No caso das aves, o processo é exclusivamente feito dentro da C.Vale, desde a produção de ovos à comercialização da carne.

 

AI – A C.Vale investiu na construção do maior abatedouro de tilápias do País. Isso faz parte de uma estratégia de diversificar as atividades da cooperativa? Qual a importância para os cooperados? A expectativa é de crescimento do consumo de peixes no País?

Lang – O peixe foi mais uma alternativa de diversificação que oferecemos aos associados para incrementar a renda e reduzir a dependência dos grãos, que é uma atividade muito sensível ao clima. Além de gerar renda ao produtor, cria novos postos de trabalho. Foram 470 novos empregos até agora e a perspectiva é de expansão. Estamos abatendo 65 mil tilápias por dia agora em novembro, mas queremos chegar a 90 mil até abril de 2019. A estrutura atual da indústria permite ampliar a produção para 150 mil tilápias por dia. Acreditamos em aumento do consumo do peixe à medida em que o crescimento da oferta e as novas tecnologias tornem a carne de peixe um produto mais acessível a um número cada vez maior de consumidores.

 

AI – Qual a importância de diversificar as atividades para os cooperados, principalmente com a criação de peixes em cativeiro? Qual a estratégia de mercado para esse produto, o nacional ou exportação?

Lang – O peixe gera uma renda muito maior que a dos grãos. Alguns de nossos associados dizem que levariam 14 anos para conseguir com duas safras de grãos por ano a mesma renda que o peixe proporciona. E com a vantagem de, muitas vezes, utilizar áreas da propriedade que não podiam ser aproveitadas para soja, por serem áreas muito baixas ou úmidas. Aliás, depois que iniciamos o projeto peixe o valor dessas terras disparou. Temos casos de mais de 1.800 sacas de soja por hectare de áreas próprias para a piscicultura, mais do que terras para soja. Outra vantagem da criação de peixes é que ela abre oportunidades de trabalho nas propriedades, mais que a produção de grãos. No caso da comercialização, começamos vendendo apenas para o mercado interno, mas queremos fornecer também para o mercado externo. A estrutura da indústria foi construída para atender as exigências dos mercados mais exigentes do mundo.

 

AI – O ano de 2017 foi desafiador para o agronegócio brasileiro, com operação Carne Fraca, greve dos caminhoneiros, baixo consumo interno, casos de Salmonella em carnes de frango exportadas. Que avaliação é possível fazer desse ano e como chegamos aqui ao final dele?

Lang – Foi um ano bastante complicado, principalmente para o mercado de carnes. Ainda estávamos sentindo as consequências da Carne Fraca quando veio a greve dos caminhoneiros. Como o acesso aos portos foi interrompido, a carne que iria para o exterior teve que ser redirecionada para o mercado interno. Isso aumentou a oferta e obrigou as indústrias a reduzir ainda mais os preços para conseguir vender em um mercado em que o nível do consumo já estava baixo devido ao desemprego de 13 milhões de pessoas. No início do segundo semestre, a disparada do dólar nos deu a oportunidade de exportar bem mais e reduzir a oferta de carnes no mercado interno. No caso dos grãos, a comercialização deslanchou já que os preços estavam bem mais atrativos que no ano passado, também com a ajuda do dólar. No entanto, as margens foram bem apertadas. No resumo do ano, podemos dizer que o faturamento vai aumentar, mas a rentabilidade dos negócios vai ficar bem abaixo do desejável.

 

AI – Uma das consequências da greve dos caminhoneiros foi o tabelamento do frete. Como isso vai ou já está impactando o custo produtivo e como as cooperativas têm reagido a esse tabelamento?

Lang – A tabela de fretes trouxe um aumento direto dos custos. Se permanecer do jeito que está, a tendência é as empresas aumentarem as frotas próprias para transportar grãos. O custo é menor do que pagar de acordo com a tabela de fretes.

 

AI – O Brasil teve um processo eleitoral extremamente polarizado, possivelmente deixando feridas na sua população. Eleito o presidente o senhor acredita que isso será plenamente superado e o país retoma o seu ritmo de crescimento econômico?

Lang – O país está dividido há muito tempo, não acredito que as feridas se curem totalmente. A polarização vai depender da forma como o novo governo vai se comportar. Temas polêmicos como a reforma da Previdência são muito sensíveis e podem acirrar os ânimos novamente. Acredito que a economia vai seguir em ritmo lento também em 2019. Para incentivar investimentos, o governo federal precisa aumentar a oferta de crédito a juros menores, mas não há recursos para isso. Muito provavelmente o novo governo vai insistir em aumentar a arrecadação para melhorar seu caixa.

 

AI – Nos últimos 15 anos o Brasil não fechou nenhum acordo comercial importante, enquanto o mundo seguiu firmando acordos bilaterais e formação de acordos comerciais como o TPP, que envolve países banhados pelo oceano Pacífico. Para o agronegócio brasileiro, como o Brasil deve se posicionar no comércio internacional?

Lang – O Brasil precisa aproveitar o potencial de produção em grande escala, tanto de grãos quanto de carnes, para ganhar mercados. Precisamos avançar em questões de sanidade, melhorando ainda mais a segurança alimentar dos produtos para exportação. Não podemos dar tiro no próprio pé superdimensionando problemas que podemos resolver internamente, sem escândalos. Entendo que nossa diplomacia comercial não pode se deixar guiar por ideologias. Temos que oferecer os produtos que os clientes quiserem, desde que nos seja rentável, independentemente da ideologia do país.

 

AI – Como o senhor projeto o ano de 2019 para o agronegócio e o Brasil em geral?

Lang – Temos uma perspectiva de El Niño para a safra de verão que, caso se confirme, pode representar bons níveis de produtividade, de forma geral. Isso é fundamental para manter o produtor capitalizado e para estimular a venda de máquinas. No caso das carnes, vai depender da taxa de câmbio. Agora no segundo semestre ampliamos as exportações de carne de frango aproveitando a alta do dólar. Isso foi muito importante para diminuir a oferta do produto no mercado interno, onde o consumo ainda é baixo devido aos altos índices de desemprego. Acredito em uma recuperação ainda lenta da economia, até mesmo porque poucas empresas estão investindo. Além do baixo nível de consumo, o crédito está muito caro para investimentos se levarmos em conta os índices de inflação. Aliás, essa é uma das principais questões que o novo governo deve dedicar atenção. Ampliar a oferta de crédito a um custo menor.