Rumores sobre uma possível fusão entre a Sadia e a Perdigão têm provocado solavancos no mercado a cada pronunciamento ou sinal de que as discussões levarão ou não a um acordo. Até o momento, nada de concreto foi anunciado, mas uma coisa já parece assimilada: juntas, as duas empresas criariam um gigante de porte global e dominariam mais de 50% de diversos segmentos do mercado brasileiro de alimentos.
Entre seus principais pontos fortes, a “Sadigão”, como vem sendo chamada a nova empresa, teria 88% do mercado de massas industrializadas, 70% das carnes congeladas, 67% das pizzas semiprontas e 53% dos produtos alimentícios industrializados em geral.
Sob o ponto de vista privado, é consenso entre os especialistas do setor de que o negócio seria benéfico para as duas companhias. Em relatório, a corretora Brascan afirmou que os ganhos de sinergia chegariam a 2,2 bilhões de reais e trariam um aumento de 23,4% no valor de mercado das duas empresas juntas.
De acordo com a corretora Santander, que trabalha de forma independente do banco, as maiores sinergias estariam principalmente nas operações de logística e transporte, trazendo maior eficiência na distribuição dos produtos.
“A nova companhia teria um importante ganho de escala, um variado mix de produtos, grande poder de barganha junto aos fornecedores e até poderia ser mais flexível em sua política de preços”, afirmou Rafael Cintra, analista da Link Investimentos.
Além disso, essa seria uma grande oportunidade para a Sadia fortalecer seu caixa após ter sofrido significativas perdas com derivativos em setembro do ano passado. Somente no ano passado os prejuízos com a alta do dólar superaram 2,5 bilhões de reais. Em maio de 2008 – portanto, antes das perdas cambiais e do agravamento da crise econômica – a companhia valia 8,3 bilhões de reais. Um ano depois, esse valor para menos da metade, ou 3,4 bilhões de reais.
Alimentos mais caros?
Apesar da alta concentração de mercado prevista e do enorme poder de negociação da nova empresa, os especialistas do setor acreditam que o consumidor não vai sentir no bolso os efeitos da fusão. “Os ganhos em eficiência podem ser tão grandes na qualidade dos equipamentos e dos funcionários, por exemplo, que é bem provável que os preços possam até diminuir ou não variar. Isso seria um ganho para a sociedade”, disse Clevland Prates, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Ligado ao Ministério da Justiça, o Cade terá de analisar a possível fusão entre a Sadia e a Perdigão. Como são raros os negócios rejeitados pelo conselho, a expectativa de analistas é de que, no máximo, haja algumas restrições para a fusão. No caso da união das cervejarias Brahma e Antarctica, que levou à criação da AmBev, empresa que detinha mais de 60% do mercado de cervejas, foi necessário vender ativos como cinco fábricas e a marca Bavária.
“É possível que as companhias tenham que vender alguma marca que possua grande fatia no mercado, como as de pizzas, por exemplo. Mas o conselho deve aprovar”, diz Cintra, da Link Investimentos. Se ele estiver certo, a “Sadigão” poderia diversificar os preços dentro do seu próprio portfólio. “Uma marca pode prevalecer sobre outra. Uma pode ser premium, voltada para a classe A e B, e outra pode ser voltada para a classe C, com preços mais baratos”.
E a concorrência?
A maior ameaça parece mesmo pairar sobre os concorrentes da “Sadigão”, que ficariam em uma posição frágil para brigar com a gigante. Para o analista Renato Prado, da Fator Corretora, juntas as empresas teriam um alcance geográfico muito grande, o que seria um fator de dificuldade para as rivais .
Somente a Perdigão possui 16 unidades industriais no Brasil. Já a Sadia conta com 14, sendo que a maior parte delas está localizada nos mesmos estados, principalmente em Mato Grosso, onde cada uma possui três fábricas. No entanto, até o momento não se sabe como seria o processo de integração entre elas.
Os analistas Alexander Robarts e Gabriel Vaz, da corretora do Santander, têm uma visão mais otimista em relação aos concorrentes. De acordo com o relatório produzido por eles, o frigorífico Marfrig despontaria como o segundo colocado no fornecimento de frangos e produtos de carne suína do país e poderia garantir a concorrência nesse segmento.
O próprio Marfrig já divulgou na semana passada que negocia uma fusão com o Bertin. No ranking das maiores empresas brasileiras de carne bovina, as duas empresas ocupam o terceiro e o segundo lugar, atrás apenas da JBS-Friboi. Por serem também empresas de alimentos, Marfrig e Bertin poderiam, juntos, criar uma nova força no setor, dando a primeira resposta à “Sadigão”.
Sadio para o país?
Em termos internacionais, também não restam dúvidas quanto à relevância da operação. A fusão Sadia-Perdigão poderia dar origem à maior processadora de carne de frango do mundo em faturamento, segundo levantamento da consultoria Economática. Somando os resultados das duas empresas em 12 meses até setembro de 2008, a receita líquida de ambas ficaria próxima a 9,5 bilhões de dólares, quantia acima dos 8,52 bilhões de dólares contabilizados pela líder mundial no segmento de aves, a Pilgrim’s Pride.
O estudo aponta ainda que a “Sadigão” ficaria em décimo lugar entre as maiores empresas do setor de alimentos das Américas. A primeira posição no ranking da Economática é ocupada pela norte-americana ADM, com 78,32 bilhões de dólares de receita em 12 meses. Na sequência, aparecem a Kraft Foods, Tyson Foods, General Mills, Sara Lee, JBS-Friboi, Kellogg e Dean Foods.
Mesmo sem a fusão, Sadia e Perdigão já são empresas globais. As exportações das duas representam entre 40% e 50% de seu faturamento e ambas possuem representantes comerciais em dezenas de países. A nova companhia também chegaria a quase 25% das exportações mundiais de aves in natura, tornando-se, disparada, a líder nesse segmento.
“O negócio seria bom para o país como um todo, principalmente em escala internacional”, diz Ruy Santacruz, ex-conselheiro do Cade. Com o BNDES e fundos de pensão estatais como a Previ como sócios, a empresa se tornaria uma grande multinacional verde-e-amarela – algo que o governo nunca escondeu ver com bons olhos. Para a Sadia, que teve em 2008 o ano mais infeliz de sua história, seria um desfecho mais do que saudável.