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Agroindústrias

ONG pede investigação de "green bonds" da JBS

Mighty Earth contesta operações; companhia diz que acusação é “infundada”

ONG pede investigação de "green bonds" da JBS

A organização ambiental Mighty Earth entrou com uma representação na Securities and Exchange Commission (SEC), a “CVM” americana, em que pede a abertura de uma investigação sobre os mais de US$ 3 bilhões em bonds que a JBS emitiu nos Estados Unidos e que preveem taxas de juros atreladas ao alcance de metas de sustentabilidade (sustainability-linked loan). A companhia brasileira afirma que a acusação é “infundada”.

No documento de dez páginas que entregou à SEC a ONG avalia que as emissões foram “enganosas e fraudulentas”. A entrega do documento foi feita pela equipe da Mighty Earth e por Edivan Guajajara, ativista indígena da aldeia Zutiwa, da Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. O grupo espera que a força-tarefa de ESG e Clima da SEC avalie o caso.

A primeira emissão “verde” da companhia brasileira ocorreu em novembro de 2021, quando a JBS emitiu US$ 2 bilhões em papéis atrelados a metas de sustentabilidade, sendo US$ 1 bilhão nos EUA, pela JBS USA, e US$ 1 bilhão no Brasil. Até agora, a empresa já emitiu US$ 3 bilhões em títulos verdes no mercado internacional.

Na emissão, a companhia comprometeu-se a reduzir a intensidade de carbono dos escopos 1 e 2 (relacionados às suas próprias operações) em 30% até 2030, com base na pegada de emissões de 2019. A meta foi dada em intensidade de carbono — ou seja, em quantidade de emissão por volume de carne produzida, e não em redução total das emissões. A meta também não considera as emissões do escopo 3, que envolve as emissões de metano e as ligadas a desmatamento de sua cadeia de fornecimento.

Na ocasião, a JBS disse que a operação a ajudaria a alcançar a neutralidade de emissões de carbono, que ela pretende atingir em 2040.

A operação com os bonds recebeu parecer favorável de segunda opinião da consultoria ISS ESG, que considerou que a meta era “consistente com a estratégia geral de sustentabilidade da empresa” e que era “material” para o modelo de negócios da JBS, mas não “material para toda a cadeia de produção” por não incluir o escopo 3. A ISS ESG ainda avaliou que a meta era “definida em um cronograma claro, é comparável e apoiada por uma estratégia e um plano de ação confiáveis”.

O centro da acusação da Mighty Earth é o de que a JBS relacionou a meta do bond ao seu compromisso de neutralizar suas emissões de gases de efeito estufa, mas que na realidade suas emissões totais continuaram aumentando nos últimos anos. A JBS, por sua vez, afirmou que as emissões dos títulos vinculados à sustentabilidade “são explicitamente limitados às reduções de escopo 1 e 2, como ficou claro na comunicação a todos os potenciais investidores”.

A ONG utilizou como base uma estimativa divulgada em 2021 pelo Instituto para Agricultura e Política Comercial (IATP, na sigla em inglês), segundo o qual a JBS teria elevado sua emissão de gases de efeito estufa de 17% a 56% entre 2016 e 2021. O IATP também estimou que apenas as emissões de metano da JBS em 2021 ultrapassariam as de Nova Zelândia, Canadá, Alemanha e França combinadas.

Na época, a JBS contestou as estimativas e contratou a consultoria WayCarbon para uma avaliação das emissões. Em relatório divulgado em julho do ano passado, a consultoria avaliou que o IATP utilizou dados defasados, com dados padrão da indústria de 2010, utilizados pela FAO, para avaliar a situação específica da JBS em 2021.

Com base em dados apresentados pela companhia e com metodologias que usam cálculos da Embrapa, a WayCarbon avaliou que as emissões da JBS em 2016 seriam 97% menores que o estimado pelo IATP e 85% menores que a estimativa para 2021. Ainda assim, a JBS nunca divulgou seus cálculos das emissões do escopo 3, o que foi criticado pela Mighty Earth em sua representação à SEC. Em seus relatórios de sustentabilidade, a JBS informa que emitiu 6,1 milhões de gás carbônico equivalente em 2020, apenas relacionados aos escopos 1 e 2. A ONG lembra que estimativas indicam que as emissões relacionadas ao escopo 3 respondem por 90% a 97% da pegada ambiental.

Em seu último relatório ao Carbon Disclosure Project (CDP), a JBS afirma que suas emissões do escopo 3 são “relevantes, mas ainda não calculadas”, e que ainda não havia encontrado um consenso metodológico para o cálculo “devido à complexidade e muitos estágios da cadeia de suprimentos”.

Ao Valor, a JBS disse que está trabalhando “com consultores especializados e reconhecidos internacionalmente para concluir o cálculo global de emissões de escopo 3, de acordo com as regras do SBTi [Science-Based Targets Iniciative] e do GHG Protocol”. “Estamos dentro do prazo estabelecido pelo SBTi para enviar isso em 2023”, afirmou. Na avaliação da Mighty Earth, a JBS também estaria omitindo dos investidores o número atual de animais abatidos por ano, o que é uma informação central para a avaliação da pegada de emissões da companhia.

Nos documentos da emissão dos bonds, a JBS informou que abateu 7 milhões de cabeças em 2020. Em nota ao Valor, a JBS afirmou ainda que, “embora os títulos emitidos sejam consistentes com nossa estratégia global de sustentabilidade, eles não se destinam a financiar todo o processo de descarbonização”. A empresa disse ter “inúmeras parcerias e projetos em curso”, como pesquisa de aditivos alimentares para reduzir as emissões de metano, a plataforma blockchain para rastrear a cadeia de fornecedores e seus ‘Escritórios Verdes’.